De acordo com Douglas Belchior, em palestra na sede do SMetal em Sorocaba na manhã do último sábado, 27, “o Brasil não é o país da impunidade para crimes e delitos de pobre. A impunidade existe só pra ricos que cometem crimes”. Segundo ele, a redução da maioridade penal vai piorar essa discriminação.
“Prende-se muito no Brasil. Mas quase 100% da população carcerária é pobre e cerca de 70% são negros. Quando um rico é detido, vira notícia, fica uma semana falando, porque não é comum isso acontecer. Já temos lei que prende preto e pobre. Agora querem começar a prender mais cedo. Só isso.”, comentou Belchior.
Para ele, no imaginário popular, o traficante de drogas é negro. Mas essa não é a realidade. “O negro em geral não é dono nem do negócio de drogas. Traficante não é negro. Traficante é o Aécio [Neves], que teve o helicóptero pego cheio de drogas e não aconteceu nada para ele”, criticou.
Douglas falou para uma platéia de aproximadamente 150 pessoas, que participaram ativamente do debate, fazendo perguntas e dando depoimentos sobre experiências que vivenciaram com parentes e vizinhos.
Douglas é professor de história, redator do blog Negro Belchior e é ativista da educação e de movimentos contra a discriminação racial.
Movimentos acomodados
O palestrante também fez uma crítica aos movimentos sociais, que durante anos deixaram de fazer o debate sobre os riscos de um Congresso conservador votar projetos de retirada de direitos da população, como vem acontecendo hoje.
Para ele, quando Lula assumiu a presidência da República, em 2003, com um projeto de governo inédito na história do país, com uma visão operária, popular, de mais igualdade social, a esquerda se acomodou. “Parece que esquecemos que a direita estava viva e poderia continuar influenciando o povo e sendo eleita por ele”, afirmou.
Terceirização e maioridade
De acordo com o palestrante, a mesma direita que aprovou, na Câmara, o projeto de ampliação da terceirização, agora quer reduzir a maioridade penal.
“Sabem aqueles trabalhadores que vão ser atingidos pela terceirização? Pois então, a lei da redução é para os filhos deles”, alertou Belchior.
“Este sindicato, dos metalúrgicos, está cumprindo um papel fundamental com este evento, que é contribuir com a formação da classe trabalhadora. Mas deveríamos estar fazendo isso desde 2003, quando um grupo político diferente assumiu o poder no Brasil pela primeira vez na história”, disse.
Ele afirmou que, mesmo tendo pouco tempo para tentar reverter os apelos emocionais da mídia sobre o tema, os movimentos sociais devem continuar levando o debate para as fábricas, as escolas, as famílias.
No caso dos metalúrgicos de Sorocaba, ele recomendou: “categoria que luta contra a terceirização tem que lutar contra a redução da maioridade penal”.
Esporte, educação e oportunidades
Com formação política adquirida nas comunidades eclesiais de base da Igreja Católica, Douglas, que é da Pastoral Beneditina, diz que não compactua com criminosos. “Não vou defender estuprador nem passar a mão na cabeça de quem comete crime. Mas também não vou concordar com uma medida que só aumenta a criminalização da pobreza”, explicou.
Ele diz que os movimentos dos quais participa não têm a fórmula completa para reduzir a violência e impedir o crime de adolescentes, mas defende políticas públicas que tentem impedir a entrada do jovem no mundo do crime, e não ações de vingança em um cenário desfavorável para o jovem pobre.
O incentivo e o acesso ao esporte, valorização da educação, oportunidades de profissionalização e respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que, segundo ele, é mais comentado e noticiado do que conhecido pela maioria da população.
“Se ter tido oportunidade, o adolescente vai ser preso, sai da cadeira aos 30 anos e volta a cometer os crimes que o levaram para a prisão, pois não aprendeu outra coisa na vida”, estimou Belchior.
Adotado por facções
O metalúrgico e dirigente sindical Samuel de Arruda,que assistia à palestra, completou o raciocínio do palestrante ao afirmar que “o jovem preso em meio a adultos vai ser um prato cheio para as facções do crime, que vão adotar o adolescente e a família dele também”.
“Quem defende a redução da maioridade, normalmente usa o apelo emocional, que é forte. Mas as leis não podem ser feitas pela emoção, muito menos pelo sentimento de vingança. A razão tem que prevalecer quando se trata de uma decisão de Estado”, afirmou o secretário geral do Sindicato, Leandro Soares, que mediou a palestra.
Douglas concorda. “Eu vivo muito isso. Ao discutir a redução, muitas pessoas falam: e se um moleque cometesse crime contra sua filha? Eu respondo: eu, como pai nervoso, nem vou pensar na lei. Vou pegar o cara, arrancar a orelha dele…sei lá. Mas o Estado não pode se comportar como um pai nervoso. Ele tem que agir com a razão em nome da civilização, do coletivo”, afirmou.
Ciclo de palestras
O evento com Douglas Belchior fez parte do ciclo de palestras que vem sendo promovido pelo departamento de formação do sindicato desde meados de maio, clique aqui e confira o vídeo da palestra. Alguns dos palestrantes anteriores foram o sociólogo Emir Sader e o economista Márcio Pochmann.
No próximo sábado, dia 4, o jornalista Paulo Henrique Amorim vai estar na sede da entidade para falar sobre democratização da comunicação.