Após constantes atrasos nos salários e falta de pagamento de outros direitos e benefícios trabalhistas, a paciência e a confiança dos metalúrgicos da Bardella, em Sorocaba, esgotou-se. Eles estão em greve por tempo indeterminado desde segunda-feira, dia 11.
O movimento conta com o apoio do Sindicato dos Metalúrgicos (SMetal), que também está cobrando da empresa a regularização dos pagamentos e dos encargos sociais e prestando assistência jurídica aos trabalhadores.
A fábrica de bens de capital, que já foi uma das mais representativas do segmento no país, desde o final do ano passado enfrenta uma crise financeira que tem causado insegurança e prejuízos financeiros constantes aos 260 trabalhadores da unidade local.
Segundo o SMetal, na média, os funcionários estão com três salários atrasados. O número de pagamentos atrasados varia conforme o salário do trabalhador. Quanto mais alto o salário, maior a quantidade de atrasos.
Os trabalhadores também não receberam a primeira parcela do 13º salário deste ano, que deveria ter sido paga até dia 30 de novembro. O próprio salário de novembro ainda não foi pago.
Todos estão há sete meses sem receber o vale alimentação que era fornecido pela empresa. O convênio médico suspendeu o atendimento para funcionários da Bardella e familiares devido à falta de pagamento por parte da empresa.
Falta até EPI
Há meses a empresa não fornece uniformes e outros equipamentos de proteção individual (EPI) aos trabalhadores que, muitas vezes, executam tarefas pesadas ou de risco na fábrica, que produz equipamentos pesados e de grande porte.
“Também nos últimos meses, vários trabalhadores saíram de férias mas não tiveram seus direitos, previstos em lei, pagos pela Bardella. O mesmo aconteceu com diversos funcionários demitidos este ano, que não tiveram suas verbas rescisórias quitadas pela empresa’, denuncia Tiago Almeida do Nascimento, secretário de administração do SMetal e funcionário da Bardella.
O FGTS de funcionários e ex-funcionários não é depositado pela Bardella há quase dois anos.
“Até a refeição e o transporte dos trabalhadores foram cortados por falta de pagamento”, lamenta Tiago. De acordo com ele, na rotina interna da fábrica, faltam inclusive insumos e materiais necessários para tocar a produção.
Desde janeiro deste ano a Bardella demitiu 185 trabalhadores.
“Trata-se de uma mão de obra altamente qualificada e especializada, que costuma ter rendimento acima da média do segmento industrial, o que dificulta ainda mais sua recolocação no mercado de trabalho, visto que a maioria das outras empresas do segmento de mecânica pesada estão em crise”, afirma o dirigente sindical.
Sem perspectivas
Muitos trabalhadores, sem terem segurança atual nem expectativa de melhora na Bardella, disseram ao Sindicato que gostariam de ser demitidos para procurar um novo emprego, mesmo sabendo que o mercado de trabalho está difícil.
“Os trabalhadores estão sendo alertados pelo Sindicato que, na situação atual, caso sejam demitidos, talvez não recebam as verbas rescisórias. E não podemos garantir o quanto do patrimônio da empresa está comprometido, o que prejudicaria até o pagamento de dívidas futuras com os trabalhadores”, informa Tiago
Uma opção que o SMetal tem dado aos trabalhadores é entrar com uma ação de rescisão indireta de contrato de trabalho, que teria mais chances de garantir o pagamento das verbas trabalhistas no futuro.
O início da crise
A queda na produção e os problemas financeiros começaram a despontar em 2015 e se agravaram em 2016. Porém, até meados de 2016 não havia sinais concretos de que a situação iria afetar os direitos trabalhistas básicos dos funcionários.
Os sinais começaram a se tornar preocupantes quando a empresa deixou de pagar a segunda parcela do 13º salário de 2016 que, aliás, não foi paga até hoje.
Nos primeiros meses deste ano, começaram os atrasos de pagamentos, mas que acabavam sendo quitados dentro do próprio mês.
Em alguns casos, o pagamento aconteceu após negociações com o Sindicato, que contou com o respaldo de protestos e greves dos trabalhadores para pressionar a empresa.
Em agosto e setembro deste ano, porém, a empresa voltou a atrasar os salários e, desta vez, não deu previsão de pagamento.
Ainda em setembro, a direção da Bardella fez um acordo informal com os funcionários, sem participação do Sindicato. Pelo acordo, as dívidas salariais da empresa ficariam congeladas até janeiro de 2018. Caso os trabalhadores dessem esse “fôlego” aos patrões, eles se comprometiam a não atrasar mais os pagamentos a partir de outubro.
“Os funcionários decidiram dar mais esse voto de confiança para a Bardella. Porém, no final de novembro os atrasos voltaram a acontecer, não só em relação ao salário do mês, mas também ao 13º salário”, relata Tiago Almeida.
Sem previsão
Os atrasos de novembro, após uma promessa não cumprida, foram o estopim da greve iniciada nesta segunda-feira, dia 11.
O SMetal entrou em contado com a empresa várias vezes esta semana e, na terça-feira, chegou a se reunir com a direção da fábrica. Mas os representantes da Bardella afirmam não ter nenhuma previsão de pagamento nem dos atrasos recentes, nem dos mais antigos.
Segundo informações do SMetal, a Bardella registrou prejuízo de R$ 64 milhões de janeiro a setembro deste ano.
Impacto da Lava Jato
Um dos motivos da crise financeira da Bardella foi o congelamento de bens e de contratos de empresas investigadas na Operação Lava Jato, comandada pelo juiz Sérgio Moro.
A Bardella sempre teve como clientes construtoras e empreiteiras responsáveis por grandes obras públicas nas áreas de energia, incluindo prospecção de petróleo, gás e hidrelétricas.
Ao bloquear até contas jurídicas de empresas cujos donos e diretores eram investigados, a Lava Jato impossibilitou que várias delas, como EBX, Petrobras e Eletrobras, quitassem dívidas com a Bardella.
Além de não pagar por serviços já feitos, essas companhias deixaram de fazer novas encomendas.
A Odebrecht, a Camargo Correia, a OAS, também clientes da Bardella e também citadas na Lava Jato, tiveram projetos cancelados e deixaram de fazer pedidos à fábrica instalada em Sorocaba.
Inédito no mundo
“É inacreditável essa conduta do juiz Moro. Em nenhum país do mundo a empresa é punida mais do que o empresário no caso em casos de corrupção. Se o dono ou o diretor da empresa cometeu crime, que se puna a ele; não a empresa e os trabalhadores”, revolta-se Leandro Soares, presidente do SMetal.
“Punir a empresa mais do que ao empresário, como vem fazendo esse juiz e seus promotores, é um atentado à economia em qualquer país democrático. Provou que houve corrupção? Puna-se o CPF, a pessoa física; não o CNPJ, a pessoa jurídica”, defende Leandro.
Mais reflexos na região
Atualmente, a Bardella tem como clientes a Wobben, a Vale, a Marinha e a GE. São clientes importantes, mas não bastam para manter uma empresa que se estruturou para atender as principais obras da área de energia do país nas últimas décadas; que durante anos figurou como a principal fabricante de bens de capital no Brasil.
De acordo com Leandro, a quebra de contratos provocada pela histeria indiscriminada da operação Lava Jato não prejudicou só a Bardella em Sorocaba e região. Toda a cadeia produtiva do setor de grandes obras foi afetada, com impactos profundos em nossa região.
A Bauma,fabricante de pontes rolantes e guindastes, em Votorantim, recentemente fechou as portas, causando a perda de mais de 300 postos de trabalho. A Jaraguá, fabricante de equipamentos industriais, enfrenta uma crise sem precedentes e os cerca de 300 trabalhadores também estão sofrendo prejuízos em seus rendimentos.
Antiga BSI
A Bardella é sucessora da antiga BSI, fabricante de comportas e equipamentos para geração de energia, instalou-se em Sorocaba na primeira fase da industrialização do município, entre o final dos anos 60 e início dos 70.
Junto com a Fábrica de Aço Paulista (Faço), a Jaraguá e a Nossa Senhora Aparecida, a BSI estava entre as fábricas que revelaram o potencial de Sorocaba para o ramo metalúrgico, nacional e internacionalmente.
No início dos anos 90 a Bardella assumiu o controle da BSI e continuou fornecendo equipamentos de mecânica pesada para as principais obras energéticas do Brasil, como havia feito sua antecessora.
Em 2015 a fábrica instalada em Sorocaba contava com cerca de 700 trabalhadores. Hoje tem cerca de 260.
Além de Sorocaba, o Grupo Bardella tem uma planta em Guarulhos, uma em Araras, chamada Duraferro; e outra em Rondônia, chamada IMMA, em sociedade com a General Eletric (GE)