Com 3 milhões de processos julgados em 2022, a Justiça do Trabalho recebe normalmente casos envolvendo horas extras, adicionais e outros direitos não respeitados. Mas também histórias de pessoas ofendidas ou desrespeitadas. Essas histórias não chegam ao grande público, não costumam envolver grandes valores, mas carregam cargas emocionais que ficam mesmo após as decisões.
Em Santos, no litoral paulista, por exemplo, a 2ª Vara do Trabalho decidiu que uma merendeira tinha direito a indenização por dano moral. Funcionária de uma distribuidora de alimentos, ela foi forçada a pedir demissão após admitir que pegava sobras de comida, “muitas vezes destinadas ao descarte e impróprias para o consumo”. Para se alimentar.
“A reclamada usou seu poder diretivo e sua força econômica para relegar a trabalhadora à margem da dignidade”, afirmou na sentença a juíza a Fernanda Itri Pelligrini. Ela fixou indenização no valor de R$ 15 mil.
Comida iria para o lixo
No processo, a cozinheira escolar disse que outras colegas agiam da mesma forma e que sabia não se tratar de atitude correta. Mas argumentou que pegava a comida que iria para o lixo porque às vezes não tinha o que comer em casa. Além disso, às vezes a própria empresa atrasava os vales refeição e alimentação.
A trabalhadora afirmou em juízo que teve vontade de contar para a chefe, “mas foi ameaçada com justa causa se não assinasse o pedido de demissão que lhe fora apresentado”. A empresa alegou má-fé, mas em audiência a advogada confirmou a veracidade do depoimento.
A juíza considerou degradante a situação – a cozinheira manipulava alimentos enquanto passava fome. E considerou que a empresa agiu com rigidez extrema. E, “desconsiderando o caráter humano da trabalhadora, a reduziu à mão de obra inconveniente, da qual procurou livrar-se da maneira menos custosa possível.” Cabe recurso da decisão.
Câncer de pele
Já a 3ª Vara de São Bernardo do Campo, na região ABC, condenou duas empresas de transporte a pagar indenização por danos morais, no valor de R$ 20 mil, a um motorista de carreta que desenvolveu câncer de pele na orelha. Para o juiz, “ficou comprovado que o homem permanecia exposto à radiação solar durante as viagens que realizava pela firma, contribuindo para o desenvolvimento da doença”.
Testemunhas afirmaram que não havia controle no fornecimento de protetor solar aos carreteiros. Segundo o juiz Gabriel Garcez Vasconcelos, “sequer foi comprovado o efetivo fornecimento, em que pese os motoristas carreteiros exerçam atividades externas”. Também cabe recurso.
Ofensas e desinfetante
Por sua vez, a 1ª Vara de Itaquaquecetuba, na região metropolitana de São Paulo, decidiu que uma vendedora no setor de vestuário tem direito a indenização de R$ 10 mil, por discriminação. Segundo consta dos autos, a gerente a chamava de “anta nordestina” – a trabalhadora nasceu na Bahia. Ela era obrigada a guardar seus pertences em local diferente dos colegas e a entrar pelos fundos. Além disso, a chefe borrifava desinfetante aerossol na funcionária, na frente de outros empregados. O “argumento” era de que ela saía de estágio em enfermagem diretamente para a loja.
O juiz substituto Hantony Cassio Ferreira da Costa apontou “arraigada” discriminação regional, além das escolhas profissionais. “Por conta disso, tinha que ser ‘desinfetada’, como se fosse um animal ou objeto, alguém distinto dos demais, alguém que, sem qualquer prova, potencialmente traria ‘doenças’ dos lugares que frequentava.”
Com informações do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2)