Na semana passada fui com a minha companheira e minha filha para Paraty com a intenção de revisitar esta cidade maravilhosa e, claro, mergulhar nos debates e eventos da Flip oficial e nas atividades paralelas. A Flipei (Festa Literária Pirata dos Editores Independentes) acontece em um barco que fica ancorado às margens do rio Paraty-Mirim e lá acontecem os debates mais à esquerda.
O debate mais esperado era “Jornalismo nos tempos da Lava Jato” que, dentre outros convidados, contou com o Gleen Grenwald, diretor do The Intercept. Rolavam boatos pela cidade de que aconteceria uma manifestação de bolsonaristas contra o jornalista. Durante a manhã chegamos a ver a montagem de um a palanque em uma área afastada das outras atividades da festa literária, mas não nos demos conta do que estava para acontecer.
Com pelo menos uma hora de antecedência chegamos ao local onde aconteceria o debate com GG e a área já estava lotada. Com meia hora de atraso o debate começou e, do outro lado do rio, no palanque que vimos ser montado pela manhã, começaram a soltar rojões e a tocar o hino nacional em volume ensurdecedor com o objetivo de inviabilizar o debate no barco da Flipei.
A sensação foi de indignação e revolta. Era difícil ouvir os que os debatedores diziam. Mas ninguém arredou pé. Entre grito de “Bolsonaro, VTC” e”Lula livre”, a multidão que acompanhava o debate não se intimidou com os rojões que eram lançados em direção ao público por meia dúzia de fascistas do outro lado rio.
Não era uma multidão se confrontando com outra. Era uma multidão sendo agredida por meia dúzia de pessoas que não aceitavam a presença do jornalista que está denunciando as falcatruas de Moro e dos procuradores da Lava Jato.
A iniciativa do ato fascista foi de bolsonaristas locais, o que é preocupante. Ameaças impediram a jornalista Monica Leitão de falar em uma feira de livros em SC. Este tipo de coisa não pode ser considerado normal numa democracia. As pessoas não podem ser impedidas de falar porque grupelhos discordam delas.
O que aconteceu não foi uma proibição oficial, com uma intervenção policial para cumprir a determinação de um ditador de plantão. Eram cidadãos comuns (‘pessoas de bem’?) que acreditam que tem o direito de usar da violência para impor suas opiniões e impedir as contrárias.
Não conseguiram impedir a fala de GG em Paraty. Apesar das dificuldades para ouvir os debatedores, a multidão atenta aplaudia e manifestava seu apoio ao jornalista do The Intercept.
Apesar da presença da PM, a algazarra dos bolsonaristas não foi impedida. A prefeitura de Paraty e a organização da FLIP (a oficial) não se manifestaram sobre o episódio. Um silêncio que soa como cumplicidade.
Quando jovem, vivi os últimos anos da ditadura militar, que foram decisivos para as minhas escolhas na vida. A desigualdade social da qual eu fui vítima e o autoritarismo que vivenciei gestaram este professor de história e militante de esqurda que aqui escreve.
Acredito que o episódio de Paraty foi importante para a minha filha adolescente. Antes do debate ela comprou uma camiseta “Marielle Vive” e ficou muito indignada com tudo que aconteceu. Ela assistiu ao debate com muito interesse e adorou fazer parte daquela multidão que aplaudia o jornalista e gritava palavras de ordem contras os fascistas do outro lado do rio.
O rio em Paraty tornou-se uma metáfora da divisão que o país vem sofrendo desde 2013. De um lado estava a multidão que presa pelas liberdades democráticas. Do outro lado estavam os fascistas que acreditam que podem impor sua vontade pela força.
Feliz por estar do lado esquerdo do rio com a minha filha que aprendeu mais uma lição na vida, a de que a liberdade é um valor fundamental e que ela só será preservada com muita luta.
Fascistas, não passarão!
Cacá Jacomuci
Bacharel em história pela FFLCH da USP e professor de ensino médio há 30 anos