Diariamente 50 milhões de pessoas são atendidas por algum tipo de serviço fornecido pela Sodexo (Sodexho¬ Alliance), multinacional fran¬cesa fundada em 1966. O grupo tem 380 mil funcionários e, no ano passado, faturou mais de € 15 bilhões. No Brasil, seu produto mais conhecido é um cartão de tíquete-refeição usado por alguns milhares de trabalhadores. Mas a empresa presta numerosos serviços em 80 países, como programas de alimentação em escolas e hospitais públicos, organização de sistemas carcerários, contratos privados com corporações para elaboração de planos de benefícios, gestão de planos de saúde, aposentadoria complementar e integração de benefícios – tem até contratos que chegam a dezenas de milhões de dólares com forças armadas, principalmente a americana, para a qual fornece refeições e suporte logístico.
A Sodexo ficou famosa entre os brasileiros em 2007 ao comprar o grupo de vales-alimentação VR, o maior do país, por R$ 1 bilhão (assumindo os mais de 300 mil contratos com estabelecimentos, e mais de 5 milhões de clientes). Nesses quatro anos, o conglomerado tem se mostrado cada vez mais disposto a investir nos mercados em crescimento dentro do Brasil, projeta expansões¬ regionais além do eixo Sudoeste e a entrada no ramo de alimentação para o setor de saúde. Com 850 unidades operacionais e quase 17 mil funcionários, a Sodexo calcula um crescimento de 25% para este ano no país, onde já fatura mais de R$ 1 bilhão e cresce entre 15% e 20% ao ano.
Porém…
No final de abril, sindicatos de trabalhadores ligados às áreas de atuação da companhia se reuniram em São Paulo. Entre lideranças de seis dos países onde a Sodexo opera – Brasil, Estados Unidos, França, Colômbia, Marrocos e República Dominicana -, a empresa proporcionou um raro consenso global: horas extras não remuneradas, falta de estrutura e itens de segurança em locais de trabalho, contratações precárias que induzem a uma alta rotatividade, pressão psicológica para impedir a formação de organizações dos empregados. Enfim, segundo os sindicalistas, os abusos trabalhistas e aos direitos humanos são componentes comuns no cardápio da multinacional.
Nos Estados Unidos, membros da Seiu, sindicato nacional de trabalhadores da área de serviços, acusam a Sodexo de não proporcionar condições dignas de trabalho. Há casos em que os planos de saúde oferecidos custam ao trabalhador um quarto de seu ganho. Na França, Jean-Michel Dupire, da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), relatou a falta de acompanhamento médico a funcionários que sofreram acidentes de trabalho. No país, tem-se buscado a solidariedade da população para a causa, principalmente no setor metalúrgico, que mantém grandes contratos com a gigante de serviços.
Presente há 18 anos na Colômbia, a Sodexo emprega 14 mil trabalhadores, dos quais apenas 1% é sindicalizado. O Sinaltrainal, sindicato nacional dos trabalhadores do sistema agroalimentício, ingressou na Justiça, exigindo que o governo garanta o cumprimento das leis trabalhistas e obrigue a corporação a negociar. A Colômbia, porém, é um dos países mais atrasados em termos de democracia nas relações de trabalho. São conhecidas as práticas de intimidação, agressão e até mortes e desaparecimentos de ativistas de movimentos sociais (a edição 30 da Revista do Brasil, www.redebrasilatual.com.br/revistas/30, traz reportagem sobre o tema, “A outra guerra da Colômbia”).
O cenário conta com a conivência de órgãos do governo e do Judiciário. O processo contra a Sodexo, apesar das evidências, arrasta-se e aguarda decisão em última instância no Tribunal Superior. Foi também apresentada denúncia à Organização Internacional do Trabalho (OIT) contra o Estado colombiano por omissão em fiscalizar. Edgar Paez, diretor de Relações Internacionais do Sinaltrainal, diz que a empresa exige testes de gravidez antes de contratar trabalhadoras, demite mulheres grávidas e reprime quem se aproxima do sindicato: “Há alguns meses demitiram 16 que haviam se associado”.
Se colar, colou
A representante norte-americana Autumn Weintraub, diretora da Seiu, afirma que os abusos não são casos isolados, mas política da companhia. Nos Estados Unidos, existem ações em andamento e julgadas contra a multinacional. A Procuradoria-Geral do Estado de Nova York condenou, no ano passado, a Sodexo a ressarcir o Estado em US$ 20 milhões, depois de comprovadas irregularidades em faturas de serviços prestados a 21 escolas. Os documentos omitiam valores de abatimentos obtidos em negociações com fornecedores de alimentos.
Em março, o subprocurador John Carroll, em discurso em Washington para a Associação de Nutrição Escolar americana, mencionou que esse tipo de prática tem influência na qualidade dos alimentos distribuídos nas instituições, uma vez que a companhia pode utilizar produtos mais baratos, e não necessariamente de qualidade. Carroll demonstrou preocupação com o fato de muitas crianças de seu país receberem apenas uma refeição por dia – justamente a providenciada pelas escolas, fornecidas por empresas como a Sodexo. Também declarou que a companhia foi solícita durante toda a investigação, e, após as punições, prestou esclarecimentos a muitos de seus clientes. “É justo dizer que outros membros dessa indústria têm cooperado com a investigação, mas antecipo que anunciaremos novas penalidades nos meses que virão.”
Para os sindicalistas, trata-se, no caso americano, de algo parecido com a tática do “se-colar-colou”. A empresa, uma vez questionada, repara o eventual deslize. Se o deslize não for identificado, porém, segue facilitando os meios de ampliar os lucros. E não é tão difícil “colar”.
Relatos como esse já mobilizaram pais de alunos e comunidades locais. A sindicalista Autumn Weintraub lembra, porém, que as manifestações contra as atitudes empresariais da Sodexo não são tarefa tranquila e já renderam prisões de ativistas também na dita maior democracia do mundo.
Em abril do ano passado, 12 pessoas foram detidas, entre elas o ator Danny Glover (leia entrevista à página 20), durante protesto na sede da empresa no estado de Maryland. Recentemente, em abril, sete estudantes foram presos na Universidade de Emory, em Atlanta, estado da Geórgia¬, em ato pelo fim dos contratos com a Sodexo. Em Nova Orleans, Louisiana, foram outros 21 alunos da Universidade de Tulane, pela mesma causa. Idem para 25 pessoas da Universidade de Washington, depois de ocupar a reitoria. A ocupação ocorreu após sete meses de conversas com representantes da instituição. A gota d’água foi a demissão de uma funcionária da Sodexo na República Dominicana, por “suspeita” de tentar se associar a seu sindicato.
De acordo com a organização dos estudantes, há mobilizações com o mesmo teor¬ por todo o país. A Comissão Nacional de Relações de Trabalho (NLRB) avaliou, no começo de maio, que há provas o bastante para que a Sodexo seja processada por infringir leis trabalhistas dos Estados Unidos e de cooptar autoridades a colaborar com seus métodos.
A conduta da multinacional francesa desencadeou uma articulação sindical internacional. No Brasil, o presidente da Confederação Nacional de Trabalhadores no Comércio e Serviços (Contracs-CUT), Romildo Miranda Garcez, considera que essa ação global pode ajudar a mapear as irregularidades da Sodexo e desencadear um movimento mais forte no mundo. “Essa companhia distribui comida em mau estado e contraria a legislação para enriquecer mais.”
A entidade brasileira encaminhou denúncias ao Ministério do Trabalho, uma vez que a Sodexo é também fornecedora de serviços ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Entre as denúncias levadas ao ministro Carlos Lupi, está um relatório produzido pelo Fórum TransAfrica¬, presidido pelo ator Danny Glover. No documento há acusações de que os funcionários nativos da Guiné têm de se alimentar em refeitório separado dos europeus. Lá, como na República Dominicana e no Marrocos, são notificados problemas de saúde e segurança e de perseguições contra quem se queixa. Na Colômbia, na Mina La Divisa, em La Jagua, trabalhadores acreditam que a Sodexo deliberadamente serviu comida estragada, resultando em mais de 60 casos de intoxicação.
Empresa contesta
Em nota encaminhada à Rede Brasil Atual, no final de abril, após reportagem sobre o encontro internacional de sindicalistas em São Paulo – na sede do Sindicato dos Bancários -, a Sodexo negou praticar abusos e afirmou que atua com seriedade e transparência na relação com os funcionários. “A Sodexo esclarece, também, que permanece firme com o propósito de assegurar aos seus colaboradores o direito de afiliação sindical. Infelizmente isso parece contrariar interesses de organizações como um dos sindicatos trabalhistas dos Estados Unidos (Seiu, Service Employees International Union), tentando indispor a Sodexo com a opinião pública, por meio de práticas condenáveis”, rebateu.