O retrato familiar – pai, mãe e filhos – não é uma realidade para todo mundo. Para muitas crianças e adolescentes, a família são outras crianças e os funcionários dos abrigos onde vivem. Elas foram tiradas de casa por motivos como pobreza, violência doméstica, dependência química dos pais e abandono.
Uma vez no abrigo, duas opções ocorrem: ou voltam para a família ou são adotadas. No entanto, em muitos casos, ficam nos abrigos até completarem a maioridade.
Sem família e, na maioria das vezes, sem perspectivas, precisam encarar a vida sozinhas praticamente de uma hora para outra. O Governo Federal até estabelece, em documento de Orientações Técnicas, a instalação de repúblicas destinas aos jovens entre 18 e 21 anos em “situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com vínculos familiares rompidos ou extremamente fragilizados e que não possuam meios para autossustentação”. Mas, na prática, isso não acontece.
Rosemeire Xavier Cardoso, diretora do Cartório da Infância e Juventude da Comarca de Sorocaba, relata o problema. “Mesmo que arrume emprego, ela não vai conseguir se manter sozinha. Tinha que ter uma transição. Você tem 17 anos e onze meses hoje e amanhã você está na rua com sua malinha”.
Para Rosemeire, é necessário mais esforço da maioria das entidades para ajudar nessa passagem, além de faltar sensibilidade e apoio por parte do governo.
Algumas entidades, porém, lutam para ao menos garantir qualificação profissional para os jovens. Bethel e Refúgio, por exemplo, fazem parcerias com empregadores para garantir que, ao sair, esses adolescentes consigam se manter sozinhos por algum tempo. Mas ainda não é o suficiente.
Os números
Em Sorocaba, cerca de 40 crianças e adolescentes estão nos abrigos e aptas para adoção. Levando em consideração pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que aponta que 84% dos pais adotivos querem filhos até 5 anos, as chances da maioria dessas crianças não são animadoras. Trinta delas estão acima dessa idade e, em vários casos, por fazerem parte de grupos de irmãos, têm ainda menos possibilidades de serem adotadas.
Seis desses adolescentes estão com 17 anos. São meninas e meninos vítimas de abandono, maus tratos, violência e abuso sexual. No abrigo, encontram o mais próximo que conheceram de um lar; e agora vivem entre a angústia e a expectativa de uma nova ruptura.
“Agora é seguir em frente. Minha família não quis saber e agora eu tenho que me erguer, dar o melhor para o meu filho”, conta uma dessas meninas. Outra já planeja os estudos. “Quero fazer um curso de inglês e, depois, uma faculdade. Meu sonho é fazer arquitetura”.