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Crítica

Juros nas alturas: economista analisa impactos e controvérsias sobre a atuação do Banco Central

Em entrevista para o SMetal, o economista do Dieese, Felipe Duarte, aborda os potenciais conflitos de interesse entre o mercado financeiro, a economia popular e os direitos dos trabalhadores

Gabriela Guedes/Imprensa SMetal
Reprodução

Para compreender a relação entre os diretores de Bancos Centrais com o mercado financeiro é possível utilizar a imagem de uma porta giratória: os agentes financeiros saem do mercado financeiro para dirigir o BC e, depois, voltam para o mercado financeiro.

Em junho, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu manter a taxa básica de juros, a Selic, em 10,5%. O Brasil, hoje, tem a segunda maior taxa de juros real do mundo, de acordo com o ranking atualizado pela consultoria MoneYou. O economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em Sorocaba, Felipe Duarte, avalia os impactos da atuação do Banco Central.

Em entrevista para o Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal), a análise do economista indica que há um potencial conflito de interesses entre aqueles que vivem da renda do capital e seus prepostos e aqueles que vivem da renda do trabalho. “Não podemos esquecer que o Banco Central é uma instituição pública, cuja finalidade é, ou deveria ser, a defesa do interesse público e da economia popular”, afirma.

Felipe relembra a “Ponte Para o Futuro”, programa de governo de Michel Temer implementado após o golpe de 2016. “Atravessamos a ‘ponte’ e, do lado de cá, o Banco Central é independente. Independente da nossa restrita democracia eleitoral, mas não dos interesses de segmentos do mercado financeiro, como demonstra a ‘porta giratória’ do Banco Central.”

Uma pesquisa da Genial/Quaest aferiu que 66% dos brasileiros concordam com o presidente Lula em criticar a atuação do BC, cujo atual presidente, Roberto Campos Neto, tem ensaiado aproximações com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

A redução da taxa Selic é pauta de reivindicação da Campanha Salarial dos metalúrgicos do estado de São Paulo deste ano.

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O Banco Central e a Porta giratória

O Banco Central é uma instituição de Estado que, entre outras funções, administra o poder de compra da moeda brasileira, o Real, e tem o poder de destruir ou promover negócios e setores, trabalhos e vidas.

Para explicar a relação entre os diretores de Bancos Centrais com o mercado financeiro, o que é visto no mundo inteiro há décadas, Felipe utiliza a imagem de uma porta giratória: os agentes financeiros saem do mercado financeiro para dirigir o BC e, depois, voltam para o mercado financeiro.

“Criticar tal prática não é algo trivial, já que o direito ao trabalho é universal e inalienável. Contudo, podemos e devemos discutir os problemas éticos e os conflitos de interesse entre o público e o privado que isso envolve. Além disso, podemos nos perguntar: por que a esmagadora maioria dos diretores e presidentes de Bancos Centrais vêm do mercado financeiro que, não por acaso, é um dos principais interessados e mais imediatamente afetados pela condução da política monetária? Será que o mercado financeiro concentra toda a competência e expertise necessárias, e apenas os seus participantes estejam preparados para tão nobre missão? Se este não for o caso, temos um grande problema a ser equacionado. Afinal, conduzir a política monetária de um país é determinar a vida de milhões de pessoas que vivem sob essa política”.

Para o economista, ao menos na teoria, o mercado financeiro deve desempenhar um importante papel na economia capitalista, sendo o principal responsável por distribuir riscos e viabilizar crédito no volume e custo necessários para permitir grandes investimentos na economia.

Mas, ao mesmo tempo, questiona: “O mercado financeiro brasileiro tem exercido o seu papel econômico e social ou tem sido disfuncional para a economia e a sociedade brasileiras? Será que está mais interessado em adquirir meios de comunicação de massa para disseminar sua visão de mundo e, dessa forma, blindar suas atividades da crítica e defender seus interesses acima de tudo?”.

Felipe explica que, apesar de ser impactada por fenômenos naturais, a economia não é como a biologia ou qualquer espécie de física social, onde os fenômenos econômicos seriam dados da realidade como o é a força da gravidade; é uma construção histórica e social e pode ser politicamente modificada.

Expectativas inflacionárias

Um dos argumentos utilizados para manter a taxa Selic em alto patamar é a elevação das expectativas inflacionárias. Contudo, economistas têm questionado os critérios utilizados pelo BC para estabelecer essas expectativas, que servem de referência para as decisões do Copom. A formação dessas expectativas se baseia apenas na opinião de instituições financeiras, sem o envolvimento de outros setores da economia, inclusive dos trabalhadores, como ocorre em diversos outros países. A crítica é que esse modelo, além de gerar uma série de conflitos de interesse, fornece expectativas inflacionárias pouco representativas do conjunto da economia nacional.

“Quem determina as expectativas inflacionárias que alimentam os modelos de referência do Banco Central? Será mesmo que confiar na opinião de apenas um setor da economia é o melhor caminho? Afinal, as decisões econômicas não são motivadas por interesses e necessidades, que muitas vezes são contraditórias e conflitantes? Esses são questionamentos importantes quando consideramos a maneira pela qual o BC colhe e forma as expectativas inflacionárias oficiais. Esse modelo é, para dizer o mínimo, problemático do ponto de vista ético e insuficiente do ponto de vista prático. No entanto, elas são utilizadas para tomar decisões econômicas das mais relevantes em nosso país”.

Felipe conta que há requisições de acesso a informações do BC, via Lei de Acesso à Informação, para que se esclareça como tem funcionado, dentre outros, o uso e a determinação das expectativas inflacionárias. 

O economista também questiona: “Se é mandato do Banco Central ‘garantir o poder de compra de nossa moeda’, então, por que se permite tamanha variação cambial de natureza especulativa tendo tantas reservas cambiais? E mais, por que não mudamos a gestão de nossas caríssimas reservas cambiais? E este último não é um questionamento meu, mas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Enfim, a pergunta que não quer calar é: quais são os interesses que mantêm essa modelagem de política monetária?”.

Duarte ressalta que a taxa, em alto patamar, encarece o crédito, medida fundamental para investimentos produtivos e na infraestrutura nacional.

“Se a política econômica do Brasil fosse um carro, onde a política monetária funciona como o freio e a [política] fiscal como o motor,podemos afirmar que atualmente estamos com o pé no acelerador enquanto o freio de mão permanece puxado”, conclui.

Isso porque os índices macroeconômicos sinalizam que a economia brasileira está aquecida, com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e redução do desemprego, mas com uma política monetária ortodoxa, que utiliza apenas a Selic como controle inflacionário, reduzindo de forma cara e pouco eficiente as margens de crescimento econômico do país.

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