Busca
Busca
Emergência climática

Tragédia climática no RS expõe falta de investimentos e outros desafios do saneamento básico

Estado lida com falta de água potável, esgoto a céu aberto e doenças como a leptospirose, que já causou mortes

Juliana Passos e Nara Lacerda/Brasil de Fato
Anselmo Cunha/AFP

Municípios gaúchos enfrentam águas contaminadas e esgoto desestruturado após as chuvas.

Conforme as enchentes começam a baixar em diversos municípios do Rio Grande do Sul, um cenário de lama, lixo e destruição dos sistemas de saneamento passa a fazer parte do da vida nas regiões atingidas.

Pela primeira vez em vinte dias, os níveis do Guaíba ficaram abaixo dos quatro metros na região de Porto Alegre e, segundo a MetSul Meteorologia, outros cursos d’água do estado também seguem tendência de baixa. É o caso do Rio dos Sinos, do Gravataí e do Jacuí.

A notícia é boa, mas revela que, entre os desafios da reconstrução, está a necessidade de redes de abastecimento, tratamento e coleta de esgoto e água mais resilientes às consequências da crise climática.

“A emergência climática mudou tudo”, afirmou o especialista em saneamento e professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa, ao podcast Repórter SUS.

Ele explicou que os sistemas atuais foram projetados e construídos para uma realidade em que grandes eventos meteorológicos aconteciam com maior intervalo de tempo. Segundo o professor, nenhuma cidade brasileira estaria preparada para os volumes de chuva observados no RS.

“A discussão dos projetos de engenharia terá que ser completamente revisitada diante da realidade concreta. O saneamento tem limite e ele tem que operar dentro de determinadas condições e previsões. Só que a previsibilidade está mais difícil. Se não discutirmos o problema em escala adequada, um problema rebate no outro, a causa vira efeito e confunde a cabeça de todo o mundo.”

Problema ampliado

Nas cidades gaúchas, se multiplicam relatos sobre o mau cheiro das águas e da lama. As consequências à saúde da população já começam a aparecer. Nesta semana, duas pessoas morreram por leptospirose, doença infecciosa, transmitida pela urina de animais e muito comum em situações de enchentes.

O professor Alexandre Pessoa afirma que, para evitar situações limite como essa no futuro, é preciso trabalhar em escalas que não envolvem apenas tratamento e coleta do esgoto. As questões ambientais e climáticas também precisam ser incluídas no debate.

“A microescala é o saneamento, que é a água de abastecimento e a drenagem. Na macro escala, temos a emergência climática e na meso escala, a proteção da bacia hidrográfica. Saneamento rural e urbano é medida de adaptação.”

Embora mais de 84% da população do RS tenha acesso a esgotamento sanitário, seja por uma rede coletora ou fossa séptica, o estado já tinha 1,7 milhão de pessoas sem esse recurso antes do desastre atual. As informações são do Censo 2022.

Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) indicam que o índice de atendimento total de esgoto entre os municípios do estado é de 35%.

A catástrofe também revelou a falta de investimentos no fortalecimento dessa estrutura. Um estudo da organização Trata Brasil aponta que o RS trata pouco mais de 26% do esgoto gerado no território e evolui pouco ano a ano.

Na conversa com o Repórter SUS, Alexandre Pessoa chamou atenção ainda para o reforço das desigualdades, promovido pelos gargalos no saneamento. Ele ressaltou também que ataques e desmontes na legislação ambiental podem colocar qualquer esforço a perder.

“Se um governador pega uma legislação ambiental e promove mais de 400 alterações, ele está contribuindo para que mortes sejam evitáveis ou está destruindo a capacidade ecológica das bacias hidrográficas? Quando se violenta os corpos hídricos e a sua bacia hidrográfica, você violenta corpos humanos”.

Cerca de um mês antes das chuvas catastróficas começarem a atingir o o Rio Grande do Sul, o Grupo de Trabalho Águas & Saneamento, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou uma Nota Técnica ressaltando a urgência de retomar a implementação do Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR) no Brasil.

O documento foi encaminhado ao Ministério da Saúde (MS) para subsidiar os debates sobre o tema. No texto, especialistas apontam recomendações para implementação do programa, com participação social , previsão orçamentária e atenção específica a populações mais vulnerabilizadas.

Confira aqui a íntegra do documento.

*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

tags
enchentes investimento poder público Rio Grande do Sul saneamento básico tragédia
VEJA
TAMBÉM