As negociações da Campanha Salarial abrangem mais do que o reajuste nos salários, que são articulados pela Federação Estadual dos Metalúrgicos (FEM/CUT-SP) e seus 13 sindicatos filiados. Este também é o momento em que são renovadas e discutidas as Convenções Coletivas de Trabalho. É por meio dessa ferramenta que, metalúrgicos e metalúrgicas, possuem garantias asseguradas por cláusulas sociais que falam sobre assuntos como licença-maternidade de 180 dias, adicional noturno maior do que o previsto por lei, estabilidade no emprego pré-aposentadoria, auxílio creche, entre outros.
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o público feminino representa 18,93% da categoria metalúrgica da base do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal). Isso significa que, de um universo de cerca de 40 mil metalúrgicos, um total de 7761 são mulheres.
As metalúrgicas do estado de São Paulo possuem cláusulas sociais específicas que atendem demandas única e exclusivamente delas. É o caso da cláusula que protege as companheiras vítimas de violência doméstica. Os grupos patronais que têm este dispositivo são: Fundição (Cláusula 22 – VII), Sindifupi (Cláusula 26), Siniem (Cláusula 13 – VI), Grupo 2 (Cláusula 18 – I) e Grupo 3 (Cláusula 10 – VII).
GRUPO | CLÁUSULA | PROTEÇÃO |
G3 | Cláusula 10 – VII | 30 dias de licença remunerada |
Siniem | Cláusula 13 – VI | 15 dias de licença não remunerada |
Sindifupi | Cláusula 26 | 15 dias de licença não remunerada |
Fundição | Cláusula 22 – VII | 30 dias de licença remunerada |
G2 | Cláusula 18 – I | Apoio, assistência social, orientação jurídica e afastamentos compensáveis |
Como acessar esse direito?
“Violência doméstica é toda situação que coloca a mulher em risco, seja uma violência física, emocional ou psicológica, desde que ocorra relacionada ao seu gênero e no ambiente doméstico. Seja um local de convívio, que as pessoas elegeram para viver juntas, mesmo as pessoas que não tem nenhum grau de parentesco”, explica Alessandra Reis dos Santos, que é delegada titular da Delegacia da Mulher (DDM), em Sorocaba.
Ela conta que, nos meses de maio, junho e julho foram solicitadas 443 medidas protetivas por mulheres relativas a agressões físicas, psicológicas e verbais sofridas dentro do ambiente doméstico. Nestas estatísticas, é inevitável não se perguntar: “Quantas dessas vítimas podem ter sido mulheres metalúrgicas?”.
Pensando em todos os transtornos e impactos que situações como essas podem trazer, é que as lideranças sindicais fazem a defesa incansável dessas cláusulas de proteção. De acordo com a advogada Érika Mendes, que compõe o Departamento Jurídico do Sindicato, o primeiro passo para acessar esse direito é ir até uma delegacia especializada e reportar, oficialmente, a agressão.
“A metalúrgica passando por uma situação dessas, o primeiro passo é fazer a abertura de uma ocorrência policial, procurando a delegacia da mulher. Na eventualidade de ter havido violência física, também será necessária uma comprovação médica que pode ser feita através do próprio exame que a polícia vai indicar. Ou mesmo através de médicos, muitas vezes do convênio ou do SUS, para poder ter essa comprovação. Mas havendo a ocorrência policial, é a prova necessária”, afirma Érika.
Ainda de acordo com a advogada, as Convenções Coletivas trazem esse direito em prazos diferentes. Há Convenções que estabelecem em dez, quinze ou trinta dias. Então é importante que a metalúrgica procure o Sindicato para entender qual é o seu direito. “Fazendo a solicitação deste afastamento e apresentação da documentação, a empresa deve imediatamente afastá-la do trabalho, considerando até, muitas vezes, essa mulher pode estar numa situação de risco. É necessário que a providência seja imediata”, completa.
Os tipos de violência
Outro ponto que é importante destacar é que a violência doméstica não é somente caracterizada por agressões físicas. É o que alerta a delegada titular da DDM. “Normalmente quando se fala em violência a gente já imagina agressão física, né? Mas realmente tem diversas outras agressões. A ameaça, a perseguição, que agora recentemente foi tipificada como um crime. A violência sexual, a gente fala: é só o estupro? Não! O fato de a mulher não poder usar um método contraceptivo é uma violência sexual”, exemplifica Alessandra.
Ser vítima de uma violência psicológica foi o que aconteceu com Beatriz, de 41 anos, que vivenciou um relacionamento abusivo. O homem não aceitava o fim do relacionamento e não queria sair do apartamento em que moravam. Segundo ela, diversos pedidos foram feitos, mas o agressor se recusava a deixar o apartamento que pertencia a ela.
Ele a perseguia na rua, no trabalho, na casa de familiares e, numa tentativa de cercar a vítima, se aproximou de todos os amigos, para que ninguém percebesse o que estava acontecendo. “Ele fez amizade com todos os meus amigos e, quando eu falava sobre ele sair do apartamento, chorava copiosamente, desesperado, passava mal. Começou a perceber que isso me fragilizava e foi dessa forma que ele ameaçou, pela primeira vez, a cometer suicídio dentro de casa se eu o deixasse”, conta Beatriz.
A mulher, que trabalha com mercado financeiro, não percebeu que estava vivendo um ciclo de violência psicológica já que, em seu caso, o agressor não chegou a bater nela ou ameaça-la de morte. Foi somente em uma consulta médica que ela entendeu que, aquilo que estava vivendo dentro de casa, era parte de uma violência ainda tão invisibilizada. Hoje, Beatriz vive com uma medida protetiva que serve para ela e membros de sua família, uma vez que a perseguição deste homem continuou mesmo depois dela colocar um ponto final na relação.
Além dos impactos psicológicos, ela também vivenciou as consequências patrimoniais e profissionais desta relação. À época, Beatriz não estava protegida por quaisquer cláusulas sociais de Convenção Coletiva. Quando questionada sobre a importância do afastamento, ela usa sua experiência pessoal para descrever.
“É muito importante. Os primeiros trinta dias que você toma essa atitude da medida protetiva, por exemplo, é muito comum se sentir emocionalmente abalada e improdutiva”, diz. Beatriz completa: “Nesses primeiros trinta dias eu não coloquei o pé na rua de medo. Primeiro existe um medo e um pânico porque você tomou uma atitude e qual vai ser a represália em contrapartida? O que ele vai fazer depois do que aconteceu?”.
Lutar e ampliar
O caso de Beatriz, no entanto, não é o vivenciado por todas as mulheres que são vítimas de violência doméstica. Durante a entrevista, ela comenta sobre como o suporte familiar e financeiro foi definitivo para que ela pudesse, aos poucos, conseguir se recuperar. Outras mulheres, mais vulneráveis e desamparadas, talvez não consigam romper com este ciclo de violência.
Dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), divulgados em agosto deste ano, mostram que a central de atendimento registrou 31.398 denúncias e 169.676 violações envolvendo a violência doméstica contra as mulheres. Nesta estatística cruel, as mulheres trabalhadoras tantas vezes escondem o que estão vivendo, por não terem uma rede de apoio ou, até mesmo, pelo desconhecimento.
Priscila dos Passos, que é membro do Conselho da Diretoria Executiva e Coordenadora do Coletivo de Mulheres do SMetal, comenta que as cláusulas sociais das metalúrgicas são fruto de uma luta empenhada pelas entidades sindicais. Para ela, o ambiente de trabalho pode ser um aliado na construção de uma rede de apoio para as mulheres metalúrgicas vítimas de violência doméstica. “É importante fazermos essa extensão para todas, principalmente para o Grupo 2, onde tem mais mulheres trabalhadoras metalúrgicas. Precisamos assegurar à mulher que ela tenha uma rede de apoio e essas Convenções Coletivas vêm para agregar nessa rede, para que essa mulher que está sofrendo esse tipo de violência”.
É o que também defende Ceres Ronquim, Diretora da Mulher da FEM-CUT/SP. Para ela, quando as cláusulas de defesa das mulheres como a licença maternidade, proteção à mulher em trabalho insalubre, o auxílio creche, entre outras, são citadas é importante recordar que isso é fruto de um trabalho feito pelas lideranças sindicais.
“A gente têm participado das bancadas de negociações, citando e argumentando sobre as pautas das mulheres. Então é de extrema importante que o Coletivo se mantenha unido para buscar, junto com os companheiros da Federação e dos 13 sindicatos filiados, pautas específicas das mulheres”, defende a sindicalista.
Lei Maria da Penha
Para além da proteção das Convenções Coletivas, vale recordar que a Lei nº 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, também possui diversos artigos e dispositivos de proteção e amparo à todas as vítimas de violência doméstica.
A Lei coloca que são entendidas como violência doméstica: a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; violência psicológica, entendida como qualquer conduta que cause dano emocional; violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a vítima a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada; violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos e a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Todas essas condutas são passíveis de penalização. O SMetal recorda que ao presenciar ou vivenciar algum desses casos, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 presta uma escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgão competentes, bem como reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento.