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Ponto de Fusão

Drogas

Um problema de saúde ou de segurança pública?

Jesus Vicente
Fotos: Foguinho/Smetal Sorocaba
Versão impressa da revista tem distribuição gratuita, nas fábricas metalúrgicas e nas sedes do Sindicato

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Responder esta questão era a missão desta reportagem. Mas depois de ouvir nove pessoas – entre profissionais da área de segurança, da saúde, usuários e voluntários – descobriu-se vários aspectos sobre as drogas, mesmo assim a pergunta não foi totalmente respondida. Pelo contrário, o texto abriu mais uma lacuna, na qual é possível acrescentar a seguinte questão: as drogas não seriam, também, um problema econômico?

Por Jesus Vicente

Sorocaba, com quase 600 mil habitantes, é um polo consumidor e distribuidor de drogas no Estado de São Paulo, segundo análise da Polícia.

O delegado Alexandre Banietti, titular da Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (Dise), explica que a base do tráfico – a maconha e a cocaína, da qual se produz o crack – vem dos países vizinhos Paraguai, Peru, Bolívia e Colômbia. “Geralmente elas chegam de aviões, que pousam clandestinamente em fazendas nos estados de fronteira, como Mato Grosso, e de lá seguem pelas estradas”, diz o delegado.

Por estar cercada por rodovias importantes, como Raposo Tavares, Castelo Branco e do Açúcar e ser vizinha de grandes centros, como Campinas, São Paulo e Santos, Sorocaba se tornou, também, um centro distribuidor, além de consumidor.

A polícia não tem, porém, estimativa do volume de drogas que circulam no município. “Não tem como avaliar isso, pois você pega um, mas não sabe quantos escapam”, diz Banietti.
Juntas, as policias Civil e Militar prenderam mais de 900 pessoas e apreenderam 180 quilos de drogas em Sorocaba ao longo do ano passado.

Banieti reconhece a dificuldade de se combater o tráfico e aponta o consumidor e a rentabilidade como principais culpados. “O primeiro [motivo] é o lucro; depois se não houvesse usuários, eles [traficantes] não teriam para quem vender”, sentencia o delegado.

Secretaria da Juventude coordena as ações antidrogas
Em Sorocaba o uso de drogas é encarado pelo Poder Público como doença e as ações locais estão sob a responsabilidade da secretaria da Juventude do Município, atualmente comandada pela médica pediatra, Edith Maria Di Giorgi.

Para atender os usuários e impedir que o número cresça, o Município mantém parceria com clínicas particulares e Organizações Não-Governamentais (ONGs) e convênio com o Governo Federal. “Mas confesso que o nosso trabalho [com esse foco] é recente. Até porque o conceito de droga como doença é relativamente novo. Mas acredito que estamos no caminho certo”, analisa a secretária.

Edith não exibe números, mas elenca uma série de atividades lúdicas e recreativas para dar lazer aos jovens e mantê-los longe das drogas. “O Território Jovem [projeto que inclui dança, teatro, esporte] faz parte desta política”, diz Edith.

O Território Jovem acontece frequentemente em três pontos do município e atende em média três mil pessoas por edição, “mas até o fim do ano vamos contar com pelo menos mais três pontos”, aposta a secretária.

Para atender aos jovens e outros sorocabanos que já tenham se entregado às drogas, a secretaria mantém o Grupo Piracema, que capacita monitores e integrantes da comunidade para lidar com os usuários sem afastá-los da sociedade.

A secretaria também está implantando o Consultório de Rua e a Casa do Acolhimento, ambos via convênio com o Governo Federal.

“A nossa política é atender a pessoa no meio em que ela vive, com o envolvimento da família. Mas como há casos em que a pessoa necessita de internação, estamos construindo a Casa do Acolhimento”, estima Edith.

Sorocaba ainda mantém dois Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Droga (CAP-AD), que também prestam atendimentos aos usuários, principalmente aos jovens.

“Tudo faz parte do Grupo de Gestão Integrada (GGI) ) que envolve minha pasta (Juventude), a Guarda Municipal, as secretarias da Saúde e da Educação, além das polícias Civil, Militar e a comunidade”, explica Edith.

A secretária conta que o GGI se reúne periodicamente e que uma das próximas ações do grupo é criar um mecanismo de avaliação das ações, “porque ainda não temos instrumentos para mensurar os nossos resultados”, completa a secretária.

O dono e o lucro
Segundo as contas da Polícia, a venda de drogas está entre os produtos de maior lucratividade em termos percentuais, superando o ouro e beirando a casa dos mil por cento de lucro. “Nenhuma atividade rende isso”, comenta o delegado Alexandre Banietti.

E o principal escoamento de toda essa “riqueza” ainda é a “boca”, as populares biqueiras. Esse tipo de venda predomina nas periferias, mas há, também, pontos de venda nos centros das cidades. “Hoje você encontra [droga] em qualquer esquina”, reconhece o delegado.

Os países vizinhos produzem, as facções encomendam, as ‘mulas’ transportam e a periferia lidera a venda no varejo. Mas o consumidor “não tem raça, não tem cor; não tem gordo, não tem magro; não tem pobre, não tem rico; a droga está em toda a sociedade”, alerta a médica pediatra e secretária municipal da Juventude em Sorocaba, Edith Maria Di Giorgi.

A secretaria de Edith aglutina as políticas públicas de prevenção e de combate às drogas em Sorocaba.

“Até em nossa corporação temos alguns casos, infelizmente”, lamenta o major Fábio Hinsgst, coordenador operacional do 7° Batalhão da Polícia Militar em Sorocaba.

Mas esta indústria tem dono: “O tráfico hoje está nas mãos das facções. Não tem a figura do autônomo. Por menor que seja o traficante, de um jeito ou de outro, ele está ligado a uma facção”, conta Banietti.

No Estado de São Paulo a facção mais poderosa é o PPC (Primeiro Comando da Capital), gestado nos anos 90 nos presídios paulistas.

Tema difícil
Depois de mostrar a árvore genealógica da família, o médico psiquiatra José Carlos de Campos Sobrinho, 65 anos de idade e 41 de profissão, pondera sobre a entrevista que concederia em seguida em seu consultório: “É [um tema] marcado, difícil de falar. Mas se não vamos fazer proselitismo sobre a liberação ou criminalização [risos], vamos falar”.

Zeca, como é conhecido, não prega, mesmo, o convencimento, mas aponta uma série de momentos históricos, pelos quais ele alinhava uma tese que desfecha na liberação de todas as drogas. Drogas, não. Para ele, substâncias psicoativas.

“A própria bíblia está cheia de passagens que mostram que o homem sempre usou substâncias para sair do seu estado habitual. Quando Adão e Eva perceberam que estavam nus? Não foi após comerem o fruto proibido? E que fruto seria esse? Não teria sido a canabis [maconha]”, ironiza o terapeuta.

Além da bíblia, Zeca também recorre à literatura pagã para mostrar que o mundo dos psicoativos está intimamente ligado ao mundo econômico. “A lei seca [nos Estados Unidos, entre 1920 e 1933] mostrou isso. Proibiu-se o álcool, mas ele foi para clandestinidade e só cresceu. E por quê? Porque o homem sempre sentiu a necessidade de alterar sua consciência”.

Para o psiquiatra, o Estado erra toda vez que, para corrigir um problema individual, ele baixa leis proibitórias generalizadas. Para ele as drogas são um problema individual e não matam. “O que mata não é a droga, é a voracidade. Tudo consumido com voracidade mata. Se você se empanturrar de feijoada todo dia, você vai morrer”.

O médico defende a liberação das drogas com taxação – como ocorre com o álcool e o tabaco. O imposto cobriria os custos sociais decorrentes do uso e enfraqueceria o mercado do tráfico. “A droga é o ouro da bandidagem”.

Para provar que não faz proselitismo empírico, Zeca cita um estudo em defesa da liberação das drogas feito pelo prêmio Nobel de Economia de 1976, Milton Friedman. Os livros Plantas de Los Dioses – origeneses del uso de los alucinógenos, de Richard Evans Schultes e Albert Hoffmann, e História General de Las Drogas, de Antônio Escohopado, também embasam a tese do médico. “E não sou eu quem estou dizendo isso; é a história e um prêmio Nobel”, conclui.

Polícia: liberação fora de pauta
O delegado seccional de Sorocaba, André Machado Moron e o comandante do 7° Batalhão da Polícia Militar (PM) do Interior, o tenente-coronel Vitor Maurício Gusmão, são radicalmente contra a liberação das drogas.

Depois de falarem dos empenhos de suas respectivas polícias no combate ao uso e à venda de entorpecentes, eles se declaram contra qualquer tentativa de descriminalização das drogas. “Eu, pessoalmente, sou contra. Acredito que a sociedade brasileira tem outros assuntos mais importantes e necessários a discutir. A liberação, pura e simples, não trará nenhum benefício a uma sociedade que já assiste, diariamente, o abuso no consumo de álcool e do cigarro”, teoriza Moron.

“Não acredito que seja hora de se discutir isso. Nossa sociedade não está pronta”, adianta o comandante Gusmão. “A Polícia Militar é legalista e está aí para fazer cumprir o contrato social vigente”, acrescenta o comandante do batalhão da Força Tática, o capitão Attílio Gracco. “Somos idealista e nossa expectativa é sempre de vitória; e a redução dos índices criminais aponta que estamos no rumo certo”, completa o major Fábio Hingst.

Além do combate ao uso e ao tráfico de drogas, a PM também promove o Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas) e se reúne semanalmente com outros agentes municipais que discutem as políticas públicas locais de prevenção e combate às drogas.

O nome e o método
As clínicas de recuperação são, em sua maioria, ligadas a igrejas. Por isso elas têm fundamento cristão, alia o tratamento a pregações e usam nomes sugestionados pela bíblia, como Geração Eleita, Recanto Renascer e Missão de Resgate de Vida.

O nome Casa de Meu Pai, por exemplo, está no evangelho de João – 14:2, que diz: Na casa de meu Pai há muitas moradas. A entidade é ligada à Igreja Batista.

Palestras, terapias, atividades recreativas e orientações espirituais formam a base do tratamento dessas clínicas, que prevêem a recuperação dos pacientes com internações de seis meses. “Mas em cada grupo de dez, apenas três se curam”, revela José Luiz Gonçalves, coordenador da clínica. Ele mesmo só se livrou das drogas na quinta internação.

José Luiz acrescenta que um adicto, como são chamado os viciados, nunca se cura completamente. “Ele é impotente diante dos seus desejos e, por isso, precisa evitar sempre. Se voltar a provar a droga, ele se entrega de novo”.

O poder da ‘branquela’
Vários caminhos levam às drogas. E para se tornar um viciado o caminho é bastante curto. O metalúrgico Aldemir Biral, 42 anos, por exemplo, experimentou a cocaína em 2009. “Tinha 40 anos de idade, mas estava depressivo. Já tinha perdido um filho, era separado, meu pai estava com câncer e minha filha, que não se dá com a mãe dela, já estava no mundo das drogas”, conta Biral.

Com esse quadro escuro e “empurrões” de alguns amigos, Biral experimentou a cocaína com a intenção de, usando a droga, se aproximar da filha e tirá-la do vício. “Puro engano. Em poucos meses, estava totalmente entregue à branquela; até com ela [filha] eu cheirei”.
Biral ficou tão voraz que não ia a lugar nenhum sem uma porção de coca no bolso. “Não ficava mais de uma hora sem cheirar”.

A morte do pai, a prisão da filha e uma humilhação policial o fizeram rever seu comportamento. “Foi aí que dei conta de que estava no fundo do poço. Só faltava eu perder o emprego”.

Antes que isso acontecesse, o metalúrgico se internou na Casa de Meu Pai, e “espero sair daqui curado e nunca mais experimentar a braquela, porque ela é poderosa”.

A fúria da falta
No último dia 2 de fevereiro, o sorocabano Andrius Tomas de Souza, de 20 anos, foi preso após incendiar o carro do avô e matar dois cachorros [filhotes] que dormiam dentro do automóvel. A fúria do rapaz foi provocada pela falta do crack.

Sem dinheiro, Andrius queria que a família comprasse o entorpecente. Como não foi atendido, o rapaz se enfureceu e provocou o incêndio.

“Os usuários são doentes e enquanto eles não reconhecem isso, eles não se curam”, diz o coordenador da clínica de recuperação de usuários de drogas Casa do Meu Pai, José Luiz Gonçalves, 45 anos.

O próprio José Luiz já foi um doente. Órfão de pai e mãe, ele cresceu nas ruas de São Paulo e por 25 anos usou todas as drogas: “Comecei na cola, mas acabei usando de tudo. Só parei quando perdi tudo [emprego, mulher e filhos] e tive a plena consciência de que eu era de fato doente”, diz o coordenador da clínica, uma chácara no bairro Inhaíba, em Sorocaba.

Fonte: Reportagem da Revista Ponto de Fusão, dos metalúrgicos de Sorocaba e Região, edição nº 2, de março de 2011

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