A fala do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ontem , dia 21, segundo a qual a recessão brasileira acabou, “é o tipo de declaração para vender otimismo e um resultado que ainda não veio”. Mais do que isso, para o economista Guilherme Mello, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a declaração de Meirelles faz parte de uma estratégia midiática que envolve milhões de pessoas, muitas das quais acabam sendo convencidas de que o país e a economia vão bem e que reformas contra seus próprios direitos são positivas para elas e para a nação.
“Você consegue, com a propaganda certa, o argumento calculado e a repetição, convencer pessoas que tomar veneno é bom. Por mais que a realidade diga que a coisa vai muito mal, exatamente por isso as pessoas querem e precisam acreditar que vai melhorar. Então, se usa esse momento de fragilidade das pessoas para bombardear uma mensagem de otimismo através da imprensa, repetidamente, para ver se a coisa cola”, diz Guilherme.
Com base nessa estratégia, o economista prevê que, para emplacar a reforma da Previdência, os atuais governantes vão tentar convencer as pessoas de que elas ganharão com as mudanças, que, na verdade, significarão a retirada de grande parte da chamada rede de proteção social que o povo brasileiro ainda tem. “Explora-se o medo, as necessidades e os desejos das pessoas para convencê-las de que coisas que as prejudicam, na verdade, são para o bem delas, que é muito bom para elas perderem o direito de se aposentar, e parte das pessoas vai acreditar. Isso é grave.”
“O Brasil hoje já está crescendo e essa recessão já terminou. É uma recuperação sólida, impulsionada por medidas fundamentais. A PEC do Teto foi impulsionadora desse crescimento, e a (reforma) da Previdência, além de ser fundamental, está no centro desse processo”, disse Meirelles, na companhia do presidente Michel Temer, em reunião da comissão especial da reforma da Previdência, no Palácio do Planalto. “A mensagem é de que é mais importante ter a segurança de que vão receber a aposentadoria do que a expectativa de que vão se aposentar um pouquinho mais cedo ou tarde, gerando insegurança no futuro”, acrescentou.
Sinais
Segundo Meirelles, “sinais sólidos de recuperação” da economia são a valorização da Bolsa de Valores, ganhos de valores relacionados ao Banco do Brasil, à Petrobras e à Vale, além da queda do risco Brasil e do dólar.
Porém, para “decretar” o fim da recessão, seria preciso de pelo menos um trimestre de crescimento positivo. Segundo Mello, os dados em que alguns analistas se baseiam para dizer que a economia está se recuperando “são muito questionáveis quanto à amplitude”. Por exemplo, a informação de que a indústria paulista voltou a contratar. Segundo o Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp/Ciesp, a indústria paulista teve saldo positivo de 6,5 mil vagas em janeiro. Mas, na comparação com janeiro de 2016, o saldo é negativo em 5,73%.
O número de desempregados é de cerca de 12 milhões de pessoas. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, a taxa média de desemprego em 2016 chegou a 11,5%. As projeções do mercado para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2017 são de 0,5%.
“Se o país crescer 0,5% este ano, o desemprego aumenta. Precisa crescer 2%, 3% para ter uma queda de desemprego razoável”, disse a economista Esther Dweck à RBA na semana passada.
Divulgados na semana passada, dados relativos ao comércio varejista indicam que, em 2016, foram fechadas 108 mil lojas em todo o país, pior resultado da série histórica desde 2005.
Todos esses dados, em conjunto, mostram uma situação que não se supera por decreto ou pela vontade de um ministro. “Quando Meirelles fala que a recessão acabou, está olhando para onde sempre olhou, para os que ele sempre representou, os investidores financeiros. Mas existe um descompasso entre o Brasil dos rentistas, que teve ganhos patrimoniais, porque a Bolsa subiu, e o Brasil verdadeiro, dos 99% dos brasileiros, que continua em uma situação de crise profunda”, diz Guilherme Mello.