Apesar dos investimentos bilionários e da massiva geração de emprego na última década, o crescimento da construção civil não foi capaz de resolver um problema crônico: as más condições de trabalho no setor.
Alojamentos precários, riscos à integridade física e jornadas acima do limite permitido estão entre as irregularidades mais comuns denunciadas pelos sindicatos. Sem falar na alta taxa de informalidade: de cada dez trabalhadores, só quatro têm carteira assinada.
O lançamento do Compromisso Nacional para Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção, em 2012, é considerado um avanço por organizações da sociedade civil, mas seus efeitos ainda não limitados.
O acordo conseguiu atrair empreiteiras que atuam com obras públicas, mas teve alcance limitado entre empresas que constroem para o setor privado. A perspectiva de que o novo governo de Michel Temer reduza direitos em uma reforma trabalhista e aprove a terceirização traz ainda mais insegurança para os operários.
São esses alguns destaques no Monitor #4, o boletim que divulga os estudos setoriais e de cadeia produtiva da Repórter Brasil, chamado “Os direitos dos peões na construção civil”.
Motor da economia
A indústria da construção civil é considerada um dos principais “motores” da economia nacional. São 7.550.000 trabalhadores atuando na área, o equivalente a mais de 8% da força de trabalho ocupada no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE).
Em sua maioria, são operários do sexo masculino, de baixa escolaridade e que, apesar da baixa remuneração, respondem pelo sustento de suas famílias.
Nos últimos anos, o setor ganhou notoriedade ao ser envolvido com outra chaga brasileira: o trabalho análogo ao escravo. Dezenas de casos vieram à luz em todo o país, quando o Ministério do Trabalho apertou o certo contra violações aos direitos dos operários.
Em 2013, pela primeira vez na história, o número de trabalhadores reduzidos à condição de escravos nos centros urbanos foi superior ao das áreas rurais. Ao longo daquele ano, 2.758 pessoas foram resgatadas em fiscalizações do governo. Desses, 858 (ou 31%) atuavam na construção civil.
Uma das raízes do problema do trabalho escravo na construção civil é o intenso uso de mão de obra de migrantes, uma população normalmente mais vulnerável. Muitos dos que deixam sua terra natal para trabalhar em outros lugares são vítimas de aliciamento feito por “gatos” – agenciadores que recrutam trabalhadores com falsas promessas de bons salários e cobram deles despesas ilegais relativas a transporte, alimentação e até ferramentas.
Função social
Elevar os parâmetros de conformidade laboral é um passo necessário para indústria da construção civil reduzir as violações aos direitos humanos. E cumprir realmente uma função social, para além de todo seu peso econômico.
Trabalhadores que não tiveram acesso à educação formal tem no setor uma primeira porta para o mercado laboral. Muitos encontram na atividade de servente de pedreiro uma forma de aprenderem uma profissão e quem sabe, no futuro, tornarem-se mestre de obra.
Foi esse o roteiro seguido por milhares de haitianos que chegaram ao Brasil após o terremoto de 2010. Sem poder validar rapidamente diplomas técnicos ou universitários, e com dificuldades com a língua portuguesa, muitos se empregaram em construtoras ao iniciarem a vida no novo país.
É o caso de Fedo Bacourt, que ajudou a criar a União Social dos Imigrantes Haitianos (Usih), em São Paulo. Com duas graduações no currículo e dominando vários idiomas, esse professor de história só conseguiu emprego no Brasil como ajudante em um canteiro de obras. Suas qualidades para o trabalho, porém, logo se sobressaíram, e ele foi descolocado para atuar no escritório da empresa.
À Repórter Brasil, Bacourt ressaltou a dificuldade em certificar o diploma obtido em outro país como um dos principais problemas para os imigrantes, ao lado do racismo. “Existe xenofobia e racismo em todo lugar, mas no Brasil ela é institucional”, afirmou.
Segundo Bacourt, após o terremoto de 2010, propagandeou-se no Haiti que o Brasil poderia acolher seus conterrâneos e que haveria muitas vagas de emprego. “Professores poderiam trabalhar como professores, médicos como médicos. Mas quando chegamos aqui a situação era diferente”, lamentou.
O quarto número do Monitor, que é agora divulgado, apresenta um panorama dos problemas laborais da indústria da construção civil, analisa a fundo casos em que obras públicas tenham sido palco de exploração de trabalhadores, e denuncia que grandes empreiteiras desrespeitam a norma que determina que a carteira de trabalho seja assinada na origem do operário.