Após conseguir a suspensão do projeto de reorganização do ensino público paulista proposto pelo governo de Geraldo Alckmin (PSDB), conquista do movimento de ocupações de escolas, que hoje (9), completa um mês, os estudantes agora passaram a pressionar o governo por mais participação na gestão escolar, melhoria da infraestrutura das escolas e valorização dos professores.
“A nossa reivindicação agora, além da garantia de que os que participaram do movimento não serão retaliados, é pela melhoria da educação nas escolas e o aumento da participação na administração. A eleição do diretor pela comunidade é uma das propostas”, destaca Fabrício Ramos, que cursa o terceiro ano do ensino médio na Escola Caetano de Campos, região central da capital.
A presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, acredita que o momento é de fazer um debate profundo com a sociedade sobre a qualidade do ensino público.
“Essas ocupações provocaram os alunos de tal forma que eles vão dizer: eu não quero mais sentar em frente à lousa. Eu vou querer sentar no chão, vou querer outro tipo de aula, e isso vai requerer nova dinâmica para organizar o tempo, o espaço escolar. Estamos falando da necessidade de ter biblioteca, de ter laboratório, para que os alunos sintam que são convidados a ir e a ficar na escola”.
Na última sexta-feira (4), horas antes do anúncio da suspensão da proposta pelo governador, que foi seguida da demissão do secretário de Educação, Herman Voorwald, a Apeosp contabilizava 205 escolas e duas diretorias de ensino (Sorocaba e Santo André) ocupadas. Pela conta da secretaria, eram 196 escolas ocupadas.
Hoje, o número está menor. Gradativamente, desde a suspensão do decreto, alunos passaram a desocupar algumas unidades. A Diretoria de Ensino de Sorocaba já foi liberada pelos estudantes. Segundo a secretaria, 145 estavam ocupadas na noite de ontem (8); de acordo com o sindicato, eram 149.
Em meados de novembro, quando o movimento de ocupação começou a tomar corpo, o governo do estado, por meio de ações na Justiça, tentou retirar os estudantes das escolas. Recorrentes pedidos de reintegração de posse foram feitos. No entanto, na maioria das vezes, os juízes e desembargadores se posicionaram contrariamente ao governo estadual. Na capital paulista, o colégio de desembargadores do Tribunal de Justiça, que julgava a ação, decidiu por unanimidade contra as reintegrações.
Manifestações
A suspensão da reorganização escolar ocorreu uma semana depois que os estudantes, principalmente a partir do dia 30 de novembro, passaram a fazer manifestações nas ruas, com o fechamento de cruzamentos importantes da capital, assim como das marginais e de estradas.
Em reação a essa movimentação, a polícia passou a reprimir os alunos que participavam dos atos. Foram registradas agressões com cassetetes, gás de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo. Alunos foram detidos e apoiadores, presos. A ação da polícia vai gerar uma denúncia na Organização dos Estados Americanos (OEA), segundo o advogado Ariel de Castro Alves, coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos.
“Temos uma ação já em curso na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA que trata da criminalização da juventude no Brasil. E agora apresentaremos, na próxima semana, um informe sobre a criminalização e a violência contra os jovens que estão legitimamente se manifestando aqui em São Paulo”, destacou.
O Ministério Público (MP) estadual também passou a recolher dados e informações sobre a violência policial contra os alunos. O órgão ingressou com uma ação civil pública contra a reorganização proposta pela secretaria, pedindo a criação de uma agenda de debates sobre o tema em 2016. De acordo com o MP, o governo do estado não respeitou os princípios da legalidade e da publicidade na administração pública ao tentar implantar a reorganização.
“O governo não pode agir de forma a surpreender o governado. Repentinamente, vem uma decisão ao final do ano de que aqueles alunos vão para outro lugar, para outra escola, em outra organização, isso traz surpresa, não houve transparência”, disse o promotor Eduardo Dias Ferreira, um dos autores da ação. “Já imaginaram o que iria ocorrer se 311 mil alunos do ensino privado de São Paulo tivessem que deixar as escolas onde têm identidade e amigos há anos, para ser transferidos a outra escola?”.
A estudante Isabela Ramos da Silva, de 19 anos, aluna da Escola José Leandro de Barros Pimentel, em Barueri, disse que foi informada sobre o fechamento do curso noturno no fim do ano e que não recebeu nenhuma justificativa.
“Não recebemos nenhuma justificativa para o fato de o período noturno da minha escola ser fechado. Só ficamos sabendo: vai fechar o período noturno e não vai ter mais, e foi bem no final [do ano]. Fomos uns dos últimos a saber. E aí ficamos surpresos. A gente até pôde fazer rematrículas para as escolas mais próximas, mas elas já estão superlotadas. Então, como vai receber mais gente?”, questionou.
Em nota, a Secretaria de Educação do estado disse que tem atuado para entregar escolas melhores, com ambientes mais preparados para cada faixa etária e com profissionais capacitados para atender aos estudantes: “As manifestações, embora legítimas, não podem desinformar e alimentar em pais e alunos falsos temores. Também não podem sobrepor o direito dos estudantes paulistas por uma educação de mais qualidade”.
O governador Geraldo Alckmin, que suspendeu a reorganização escolar, disse que fará debates em 2016 para ouvir a sociedade. “Decidimos adiar a reorganização e rediscuti-la escola por escola, com a comunidade, com os estudantes e, em especial, com os pais dos alunos. Acreditamos nos benefícios da reorganização, 2016 será um ano de aprofundarmos o diálogo”, afirmou Alckmin.