Integrantes de movimentos sociais se concentraram nesta terça-feira (4) na Avenida Paulista, em São Paulo, para defender a convocação de plebiscito popular que decida sobre a instalação de Assembleia Constituinte soberana e exclusiva para conduzir a reforma do sistema político e eleitoral brasileiro.
A ideia foi apresentada em junho de 2013 pela presidenta Dilma Rousseff (PT) em resposta às manifestações que tomaram o país, mas enfrentou resistência no Congresso e não avançou. Na última Semana da Pátria, entre os dias 1º e 7 de setembro, as 482 organizações sociais e sindicais que participam dos comitês estaduais pelo Plebiscito Constituinte recolheram 7,7 milhões assinaturas a favor da medida.
A imprensa foi lembrada em uma marchinha adaptada sobre o clássico “Aurora”, de Mário Lago: “Se você fosse sincera, ô, ô, ô, ô / Imprensa / Veja só que bom que era / Ô, ô, ô, ô / Mostrava o Plebiscito / Que o povo organizou / Oito milhões de votos / Que a mídia censurou / Constituinte livre é o que o povo pensa / Ô, ô, ô, ô / Imprensa.”
Para o diretor Executivo da CUT, Júlio Turra, a manipulação continua na mais recente tentativa de articular uma contrarreforma ao estabelecer falsa polêmica entre plebiscito e referendo. “Não nos deixemos enganar. Só há duas propostas concretas, uma é a nossa, que pergunta à população se deseja uma Constituinte Exclusiva para a reforma política. A outra é um referendo em que o atual Congresso, ou o próximo, que será o mais reacionário desde 1964, vai elaborar uma reforma ‘meia-boca’ e depois tentar servir um prato feito para o povo. A palavra do povo só pode vir pelo plebiscito e não vamos deixar que a direita ocupe as ruas porque eles não têm base nenhuma por trás, enquanto nós somos os movimentos democráticos e populares do Brasil”, destacou.
Referendo é Manobra
Para Luã Cupolillo, da Juventude Revolução, deixar que o atual Congresso, ou mesmo a próxima legislatura, ao sabor das versões produzidas pela grande mídia, tenha a tarefa de elaborar a reforma política, equivale a “deixar uma raposa cuidar do galinheiro”. E lembrou: “Nossa presidenta já deu a letra: ela quer a Constituinte, mas isso só vai sair com a pressão das ruas. Chegou a hora da reforma política, que é a mãe de todas as reformas”.
Ao lembrar da manifestação golpista realizada naquele mesmo local dias antes, o cantor e compositor Fernando Anitelli, do Teatro Mágico, provocou: “Precisamos sim de uma revolução, uma revolução democrática. E socialista, por que não? Tinha um povo aqui que estava usando o volume morto do cérebro pra pedir intervenção militar”, fazendo alusão debochada à crise de água que ocorre em São Paulo sob a gestão tucana.
Às 19h40, com a chuva caindo, do caminhão de som lançou-se o desafio de todos saírem do conforto seco do vão do Masp para caminhar pela Paulista. A adesão foi quase imediata, embalada pelo refrão “pode chover, pode molhar, constituinte já”.
Direita, abaixe o dedo
Já na avenida, a ex-candidata a presidente da República Luciana Genro (PSOL-RS), foi recebida com entusiasmo pelos manifestantes. Ao microfone, afirmou que não há por enquanto uma democracia plena no Brasil, por isso a necessidade de reformar a Constituição para mudar o sistema político.
“Não temos uma democracia real no Brasil. Essas eleições mostraram mais uma vez isso. Os grandes grupos de comunicação decidem quem é o candidato viável ou não. E com esse Congresso, nada vai mudar. Precisamos de uma participação social de fato. Não vamos deixar a direita colocar o dedo na nossa cara. E eles não vão colocar.”
Ao falar sobre as mudanças no sistema político, que ela acredita possíveis num ambiente de constituinte exclusiva, ela citou agendas muito próximas da juventude, como a desmilitarização das polícias. “Precisamos acabar com essa famigerada guerra às drogas, que é uma guerra ao pobres”. Para ela, “a revolução democrática que precisamos começa com a constituinte exclusiva”.
A reforma na nossa vida
Coordenador estadual da Central de Movimentos Populares (CMP), Raimundo Bonfim, aponta como a reforma política afeta diretamente a vida das pessoas.
“Apesar da construção de muitas casas pelo Minha Casa, Minha Vida nos últimos anos, nossa luta vai além disso, queremos avançar na reforma urbana para cumprimento da função social da propriedade urbana, que vai além disso e inclui a mobilidade urbana, o transporte, o saneamento. Tem uma série de medidas dessa reforma que não se consolidam porque a bancada da especulação imobiliária é muito forte no Congresso Nacional, eles financiam deputados e senadores que travam isso e querem todo o financiamento público para construir moradia para classe média e alta, excluindo pessoas de baixa renda”, explicou.
Para o membro da Coordenação do Plebiscito Popular da Constituinte, Ricardo Gebrim, a ascensão de forças reacionárias tem relação direta com a falta de democracia na política.
“A ausência de mecanismos democráticos dificulta para promover mudanças e o sistema político constrói maiorias parlamentares cada vez mais sujeitas ao poder econômico. Sem romper isso, cai na paralisia e essa paralisa é aproveitada pela classe dominante para gerar essa insatisfação contra governos populares. Só vamos romper isso com muita luta, discutindo e mostrando ao povo a nossa proposta. Enquanto pessoas da extrema direita vão às ruas para clamar por ditadura, por medidas fascistas, por aquilo que representa tortura e repressão, a bandeira da democracia está em nossas mãos”, comentou.
Liderança da Marcha Mundial de Mulheres, Nalu Faria, também apontou o impacto que as mudanças nas regras do jogo político teria
“A gente defende que a democracia comece com a definição de representantes na Constituinte Exclusiva por meio de uma com alternância de gênero para garantir a representatividade de mulheres. É essencial que isso seja aplicado no Congresso para ter outra correlação de forças e fazer avançar pautas que hoje estão interditadas, não só em relação ao aborto, mas também aos direitos sexuais e produtivos, transformando o Estado com o caráter patriarcal que temos hoje em um Estado democrático”, afirmou.
Daqui pra frente, nas ruas
Secretária de Comunicação da CUT-SP, Adriana Magalhães, deu um recado aos setores conservadores. Se esperavam o monopólio na política com a eleição de um Congresso majoritariamente reacionário, terão as expectativas frustradas.
“Acostumem-se, porque manifestações como essa acontecerão em todas as capitais brasileiras porque queremos radicalizar a democracia. O Brasil se muda com consciência política e não com discurso de ódio e preconceito, como vimos na última eleição por parte de um dos candidatos. A reforma política é mãe de todas as outras reformas necessárias, inclusive a agrária e da comunicação, para que não tenhamos pensamento único neste país”, disse.
Na próxima semana, entre os dias 9 e 15 de novembro, os movimentos promoverão novos atos populares estarão de volta para dialogar com a população, como audiências púbicas e manifestações em espaços públicos, com destaque para o dia 13, data nacional de luta. Porque, como bem destacou o representante da Liga do Funk, Bruno Ramos, “a rua é o nosso palco.”