Em mais uma rodada de oitivas, a Comissão Municipal da Verdade “Alexandre Vannucchi Leme” ouviu na manhã desta quinta segunda-feira, 4, no plenário da Câmara de Sorocaba outros quatro depoentes, incluindo o ex-prefeito de Sorocaba pelo MDB Theodoro Mendes. Também foram ouvidos Wadad Nerhj Farah, a Odete, comerciante sorocabana; Plácido Mazon Filho, filho do sindicalista Plácido Mazon; e o jornalista Renato Dias Batista.
A Comissão da Verdade é composta pelo presidente Izídio de Brito (PT) e o relator Anselmo Rolim Neto (PP), que comandaram a oitiva, além dos vereadores Saulo do Afro Arts (PRP) e Neusa Maldonado (PSDB). Também participaram da reunião o vereador Carlos Leite (PT), a deputada federal Iara Bernardi e o secretário de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, Geraldo Almeida, que é primo de Marco Antônio Dias Batista, o preso político mais jovem do Brasil. O professor Daniel Lopes, um dos incentivadores da criação da comissão também participou dos trabalhos.
Depoimentos
Aos 86 anos, primeira a falar foi Wadad Nerhj Farah, mais conhecida como Odete, que esteve acompanhada de uma de suas filhas e outros parentes. A comerciante foi presa junto de seu marido em 1969 quando estava grávida de três meses, por desconfiarem que em seu comércio, na rua Coronel Benedito Pires, haviam encontros subversivos. Emocionada, Odete lembrou o momento da sua prisão e do marido que foram levados ao Dops. Segundo Odete, as reuniões em sua loja não passavam de cafés com os comerciantes da rua, negando o envolvimento com o movimento subversivo.
Após um incidente em que quase perdeu o bebê, a comerciante foi encaminhada à casa de parentes na cidade de São Paulo, sendo que seu marido continuou preso acusado de ser simpatizante do comunismo. Viúva, Odete disse que ainda hoje sofre do trauma e humilhações que passou na época, lembrando que seu marido, após ser libertado, até sua morte, também sofreu as consequências da tortura psicológica, o que, inclusive, levou ao fim de seu casamento.
Em resposta aos questionamentos, Odete afirmou que não haviam outros sorocabanos presos, que não foi torturada e que não se lembra dos nomes dos militares que os prenderam, apenas o Coronel Danilo do segundo exército, que acompanhava o caso e fazia a ponte com o consulado Libanês. A filha de Odete afirmou que seu pai sofreu de problemas psicológicos e por isso nunca mais trabalhou após a prisão, destacando ainda que a denúncia que motivou as prisões partiu de Sorocaba.
Ex-prefeito
O segundo depoente do dia foi Theodoro Mendes, ex-prefeito de Sorocaba pelo MDB entre 1977 e 1983, durante a ditadura militar. Mendes iniciou dizendo que não foi perseguido como os presos políticos, mas sim como figura política, através de dificuldades impostas aos poucos prefeitos do partido no Estado. Também lembrou de sua trajetória política como vereador, deputado e prefeito. Theodoro Mendes citou o fechamento do Congresso com a instituição do AI 5 que suspendeu as eleições de 1978 e sua posição crítica como oposição ao Regime Militar. “Nunca fui torturado, nunca participei da luta armanda. Minha luta foi pela democracia, dentro das regras democráticas”, afirmou.
O ex-prefeito lembrou que nomeou uma praça na rua Eugenio Salerno de Praça Alexandre Vannucchi Leme. Outro momento de destaque em seu governo, segundo Mendes, foi a concessão de anistia política aos servidores cassados para reintegração de seus cargos públicos, destacando que o Executivo de Sorocaba foi o primeiro no país a fazê-lo.
A deputada Iara Bernardi, ressaltou a importância do papel da Administração Municipal de Theodoro Mendes, inclusive como apoio aos militantes sorocabanos. Sobre o monitoramento dos movimentos e de seu governo por militares, o ex-prefeito respondeu que se isso ocorria, não tinha conhecimento.
Preso mais jovem: Em seguida, o jornalista e pesquisador Renato Dias Batista falou sobre seu irmão, o sorocabano Marco Antônio Dias Batista, o preso político mais jovem do Brasil. Desaparecido aos 15 anos, seu corpo não foi encontrado até hoje. Nascido em 1954 em Sorocaba, Marco Antônio mudou-se de Sorocaba com a família em 1960, quando seguiu para o Estado de Goiás.
O jornalista falou sobre a trajetória do irmão como militante, preso em maio de 1970 por Marcos Antonio de Brito Fleury. Também relatou a luta de sua mãe, Maria de Campos Batista, na busca do irmão e pelo atestado de óbito e seus restos mortais. Ela morreu em 2005 num acidente de carro, quando voltava de uma audiência em Brasília com o ministro da Justiça e vice-prefeito, José Alencar. Com sua morte, a família deu prosseguimento a seu trabalho em busca dos restos mortais de Marco Antônio.
Iara Bernardi ressaltou que Alexandre Vannucchi Leme e Marco Antônio Dias Batista foram os dois nomes simbólicos na luta contra a repressão em Sorocaba. E em resposta ao professor Daniel Lopes, o jornalista afirmou que não existe evidência de que a morte de sua mãe tenha sido um atentado, ao contrário do aconteceu com a estilista Zuzu Angel.
O último a depor foi Plácido Mazon Filho que falou sobre a trajetória de seu pai Plácido Mazon. Filiado ao PTB, Mazon foi presidente do diretório, candidato a vereador, presidente do sindicato da construção civil e juiz classista. O sindicalista foi preso em Sorocaba logo no começo do Golpe Militar – quatro dias após o golpe, por Severino Duarte Pereira, pois dirigia liderança da classe trabalhadora que representava. Segundo Filho, Plácido Mazon não sofreu torturas físicas, mas psicológicas, talvez pelo fato de não ter sido transferido para São Paulo. O depoente registrou que sua mãe foi a maior responsável pela soltura de seus pai.
Na próxima segunda-feira, 11, a partir das 9 horas, a Comissão da Verdade realiza nova rodada de oitivas. Todos os depoimentos são gravados, arquivados e comporão o relatório final, que será enviado à Comissão Nacional da Verdade ainda este ano.