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Entrevista

Manuel Campos fala da importância do intercâmbio sindical

Na entrevista a seguir, Manuel Campos, um dos principais contatos da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM) no IG Metall, que é o sindicato nacional dos metalúrgicos na Alemanha.

Folha Metalúrgica
Imprensa CNM/CUT
Manuel Campos é um dos principais interlocutores da relação sindical entre metalúrgicos do Brasil e da Alemanha

Manuel Campos é um dos principais interlocutores da relação sindical entre metalúrgicos do Brasil e da Alemanha

Na entrevista a seguir, Manuel Campos, um dos principais contatos da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM) no IG Metall, que é o sindicato nacional dos metalúrgicos na Alemanha.

Nascido em Portugal, Manuel atua na Alemanha, mas desenvolveu laços de trabalho e de amizade no Brasil.

Na entrevista, concedida por e-mail para a Folha Metalúrgica (Sorocaba), imprensa da CNM/CUT e Tribuna Metalúrgica do ABC, no último dia 15 de março, o sindicalista comenta a importância do intercâmbio para o fortalecimento dos trabalhadores, a criação de redes sindicais internacionais e as diferenças de organização e de salários entre os metalúrgicos do Brasil e da Alemanha.

P: Quais são as diferenças entre o modelo de representação e negociação dos trabalhadores na Alemanha e no Brasil?

Manuel Campos – O que mais sobressai é a diferença numérica. Temos na Alemanha apenas 8 grandes Sindicatos industriais e alguns pequenos de classe (sobretudo no setor de comunicações e aviação). Outra diferença é estrutural e historicamente fundamentada. Os sindicatos alemães evitam tomar posição por um determinado Partido, mas sim por uma determinada política, já que no Sindicato devem ter lugar filiados de todas as correntes políticas. Sua estrutura é nacional, unitária, industrial, com representações em três níveis: nacional (central, o que equivaleria à CNM), distrital (o que poderia equivaler a uma representação estadual do Brasil) e local (correspondendo a um Sindicato local, como o de Sorocaba). Mas todos os três níveis são partes integrantes do IG Metall.

A outra diferença é a da negociação coletiva. Nossas negociações coletivas sobre salário são feitas em nível distrital. Procuramos fechar acordo onde os resultados poderão ser os melhores. Depois procuramos “aplicar” esse resultado aos outros distritos. Mas há também negociações no âmbito federal, por exemplo quando se trata de férias e outros temas de caráter geral.

P: No Brasil, os sindicatos da CUT priorizam a Organização no Local de Trabalho. Qual sua visão sobre esta forma de atuação sindical?

Manuel – É essa para mim a única saída possível para uma autêntica, responsável, eficiente e democrática representatividade dos interesses dos trabalhadores, juntamente com suas organizações sindicais, claro. Quem melhor sabe da situação na empresa do que os próprios trabalhadores?

Mas é necessário que isso seja transformado em pleno direito e não em concessão, através de um órgão de representação. Se não tivéssemos na Alemanha a Lei Constitucional de Empresa e o Conselho de Empresa, como representante dos direitos dos trabalhadores no local de trabalho, não teríamos tanta Paz e tantos direitos, como temos, apesar de todas deficiências ainda existentes.

É necessário que os trabalhadores sejam tratados com respeito, olhos nos olhos e de forma responsável. Isso só acontecerá quando forem eles (e suas estruturas sindicais) os negociadores dos seus direitos frente ao Capital. Meu esforço aqui vai nesse sentido: convencer as empresas alemãs, presentes no Brasil, a atribuir os mesmos direitos de representação e de negociação aos trabalhadores brasileiros, com base nas experiências positivas que fazem conosco aqui na Alemanha.

P: Qual a importância do sindicalismo alemão e brasileiro estarem próximos e serem parceiros?

Manuel – Em um mundo permanentemente interligado, já quase sem fronteiras (a não ser praticamente só as políticas e culturais, muito importantes), não vejo outra saída possível: ou avançamos, aberta e solidariamente juntos, lutando por interesses e direitos comuns, ou entraremos em concorrência e luta desleais, onde todos nós iremos perder. O Capital é livre, movimenta-se e sedia-se onde der mais lucro. O Trabalho não tem essas chances. Ou se isola e se sujeita, ou se solidariza e fortalece. É por aí que queremos avançar.

P: A organização de redes sindicais internacionais é razoavelmente nova. Qual o papel dessa forma de organização?

Manuel – As redes são, para mim, pontos de defesa dos direitos dos trabalhadores, em favor dos postos de trabalho, do diálogo, da Cogestão [gestão compartilhada] e da solidariedade internacional. Com elas nós procuramos fazer valer, para os trabalhadores de todo o mundo, os valores sindicais que defendemos: Liberdade, Justiça, Igualdade, Solidariedade, Reconhecimento da Pessoa, Respeito e Dignidade Pessoal.

Onde existem as redes sindicais, melhorou a situação. Em toda a sua variedade e profundidade, porém, eu considero-as apenas um Meio para chegar a um Fim maior: a melhoria das condições de trabalho e da posição de negociação, a imposição dos direitos sindicais e laborais (da OIT), a criação de estruturas de representação, alicerçadas no local de trabalho, bem como o respeito e o diálogo com os sindicatos e os trabalhadores, entre outras coisas.

Daí a importância de se lutar no Brasil, por exemplo, por uma Lei de Cogestão dos trabalhadores. Mas antes – e isso é essencial – deverão os Sindicatos ter a liberdade absoluta de se organizarem livremente, como, quando e onde quiserem, sem controlo estatal.

P: Qual a relação entre salários e custo de vida dos metalúrgicos na Alemanha?

Manuel – Os salários dos metalúrgicos na Alemanha não podem ser considerados ruins, embora o dinheiro nunca seja suficiente! A verdade, porém, é que apesar de aumentos porcentuais, temos tido perdas reais se salários. Embora façamos tudo para conseguir uma aproximação dos rendimentos, há ainda uma variedade enorme entre grandes, pequenas e médias empresas.

Importante é também a posição do trabalhador, se tem ou não formação e qualificação profissional. Na verdade, temos que reconhecer também que a desigualde salarial entre homens e mulheres ainda é alta. E existem ainda outros setores ou segmentos onde o IG Metall tem que atuar forte.

Finalmente, convém não esquecer, que a crise financeira que atingiu o mundo, afetou primeiro os Bancos (que mesmo assim não mudaram seu comportamento e os contribuintes tiveram que pagar os custos!) e está chegando agora com toda a força às empresas, também do nosso ramo metalúrgico.

Os sinais são de recuperação a longo prazo, mas os trabalhadores tiveram que abdicar temporariamente de muitos dos seus direitos salariais, por exemplo, para salvar o posto de trabalho. Esperamos e desejamos que a crise termine, e aqui necessitamos de uma atuação mais decisiva da Política e do Estado.

P: Explique melhor os níveis de negociação e de acordos dos metalúrgicos na Alemanha?

Manuel – As negociações são feitas em níveis diferenciados. Apenas alguns exemplos: o Contrato Coletivo Geral (nacional) regulamenta, por exemplo, a jornada de trabalho, o período e subsídio de férias, as horas extras e seus suplementos, os suplementos de trabalho por turnos, aos domingos e feriados, bem como os prazos para demissão e tem uma vigência de vários anos.

O Contrato Geral de Salários e Ordenados regulamenta a classificação dos grupos de ordenados e salários, segundo as características laborais, a relação recíproca existente entre cada um dos grupos de salários e de ordenados, bem como o regulamento dos salários de rendimento e por ajuste, tendo um prazo de vigência de vários anos.

O Contrato Coletivo de Ordenados e de Salários, por seu lado, regulamenta o aumento dos rendimentos e o montante dos prêmios e suplementos, tendo um período de vigência de um ano, normalmente. Como existe na Alemanha a total Autonomia Tarifária, as negociações decorrem apenas entre Empresas (ou Associação empresarial) e Sindicato , sem qualquer intervenção do Estado.

P: No caso da empresa Schaeffler, como você avalia esse momento para a empresa e a sua relação com a Conti?

Manuel – O momento atual é de uma necessária estabilização. A familia Schaeffler continua proprietária de 100% da empresa, mas assumiu grandes dívidas, quando comprou a Conti em 2008. Importante agora é fortalecer a parte operativa da empresa, tudo indicando que a fusão não será feita antes de 2011. Além disso, existe a intenção de modificar a estrutura da empresa, passando de uma “KG/Kommanditgesellschaft (uma sociedade de pessoas) para uma “Kapitalgesellschaft” (uma estrutura de pessoas jurídicas, pelo que uma pessoa singular não pode ser mais responsabilizada com a sua fortuna particular).

Os Acordos feitos com o IG Metall, dos quais informamos os companheiros brasileiros, continuam válidos e pouco a pouco vai-se preparando também a introdução da Cogestão [gestão com participação dos trabalhadores], conforme igualmente acordado. Convém tomar atenção neste ponto, para que os brasileiros não fiquem de fora. E se já existem empresas alemãs que aceitaram a Cogestão dos brasileiros nas suas filiais (exemplo da Damiler e da VW) porque não a Schäeffler?

P: Você contribuiu para a formação das redes sindicais dos Grupos Schaeffler e ZF. Quais são os principais desafios dessas redes a partir de agora?

Manuel – No caso do grupo Schaeffler, um desafio importante é o diálogo contínuo sobre o andamento das coisas. É necessário que a empresa agora reconheça, respeite e apoie a rede recentemente criada. As trocas bilaterais – de pessoas e de informações – deve continuar e até intensificar-se. É necessário que os companheiros do Brasil possam contar, sem dúvidas, com o apoio dos companheiros alemães, sobretudo na tarefa de imposição dos seus direitos de Cogestão. Seria bom marcar ainda outros projetos para o futuro, entre os quais eu colocaria a criação de um Conselho Mundial de trabalhadores.

No caso do Grupo ZF, a empresa informou que aceitará a criação de um estatuto para regulamentar a atuação dos Comitês Sindicais de Empresa, sobre cuja proposta se discute neste momento, para ser aprovada depois.

A ZF mostra-se disposta a aplicar na empresa a já aprovada Carta dos Direitos dos trabalhadores da VW, o que traria importantes direitos de Cogestão. Isso deverá ser anunciado talvez em Junho.

A empresa também assumiu compromisso, após a reestruturação da empresa, que terminará no final deste ano, a negociar com o IG Metall em 2011 sobre a introdução de um Conselho Mundial de Trabalhadores, a exemplo da VW e Daimler.

Se estas promessas se realizarem, e de momento não temos dúvidas disso, teremos dado um passo enorme.

P: Quais são os próximos projetos da parceria IG Metall e CNM/CUT para o Brasil?

Manuel CNM/CUT e o IG Metall são organizações irmãs, fortes, responsáveis, internacionais. O nosso diálogo pessoal e informativo é quase diário. A nossa amizade pessoal e o nosso respeito mútuo são profundos.

Tenho a honra de poder trabalhar com pessoas extraordinárias, como o Valter Sanches e o companheiro Carlos Grana, a Flávia, sem esquecer muitos outros companheiros e companheiras dos sindicatos locais, como o Valdeci, a Maria Ferreia, o João Evangelista, o Sérgio Nobre e muitos outros mais.

Temos atuado em comum, sem egoísmos nacionalistas e temos demonstrado solidariedade. Temos criado pontes entre empresas e sindicatos.

Lembro do último caso, relacionado com os metalúrgicos do ABC e a TRW-Automotive, que, depois do reatar de conversações e do respeito mútuo, sobretudo da empresa face ao Sindicato, culminou no anúncio de um investimento no valor de R$ 1,6 milhões em Diadema. Isso proporcionou-me uma grande alegria, porque, além dos companheiros metalúrgicos, muitas outras pessoas irão lucrar com esse investimento.

Nós vamos continuar o nosso trabalho com a redes: fortalecê-las, ancorá-las, transformá-las em direitos garantidos. Até o dia em que elas não sejam mais necessárias, porque se transformaram em Direitos. Mas manteremos o diálogo entre nós.

O mais importante agora é conseguir que a nova política econômica e social, iniciada pelo companheiro e grande estadista Lula, tenha continuidade. Esse será o próximo desafio e a grande tarefa. Vamos acompanhar, com entusiasmo e com muita esperança.

Manuel Campos por ele mesmo

Após meus estudos superiores de Filosofia e Teologia no Seminário em Portugal, resolvi sair e “caí no meio do mundo”. Empenhei-me social e politicamente, numa época perigosa em Portugal: a da Ditadura.

Um dia fui abordado por uma Senhora, que dizia ser da PIDE (polícia política) aconselhando-me a abandonar o país. Resolvi sair rápido e vim para a Alemanha, onde cheguei a 21 de Dezembro de 1972.

Depois de experimentar a vida dura do trabalho, na Opel em Rüsselsheim, candidatei-me a um lugar na Administração Central do IG Metall. Objetivo era organizar sindicalmente os então muitos trabalhadores portugueses do ramo metalúrgico.

Depois de obter o cargo de funcionário político, acabei por dirigir o Departamento de Trabalhadores Estrangeiros do IG Metall. Era algo de novo: era o primeiro imigrante a ter um cargo de dirigente de um Departamento, depois de um outro (turco) ter sido eleito membro da Diretoria.

Não foi tarefa fácil, mas muito empenhada e profícua. O IG Metall tinha na altura mais de 300.000 filiados, só de nacionalidade estrangeira, correspondendo a 10% de todos os filiados.

Em 2003 candidatei-me e fui nomeado Conselheiro Social da Embaixada da Alemanha para o Brasil e Chile, ficando sediado em Brasilia. Aí aprendi a amar o Brasil, seu povo, sua cultura e sua história, com tanto de comum, com a nossa portuguesa. E foi aí que aprofundei ainda mais os laços que já tinha com os sindicatos brasileiros, através dos contatos com Vicentinho (deputado federal), Marinho (ex-ministro e hoje prefeito de São Bernardo) e outras personalidades, quando de suas visitas ao Sindicato IG Metall na Alemanha. Hoje acompanho de alma e coração sobretudo as redes bilaterais Brasil-Alemanha.

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