A aprovação de uma reforma política mediante consulta popular e com validade já para 2014, como propôs o Palácio do Planalto, dificilmente irá se concretizar. Deputados e senadores teriam 24 dias para que alguma matéria legislativa com mudanças de regras percorra um longo caminho entre o nascedouro nas comissões técnicas e a aprovação nos plenários das duas Casas para que possa entrar em vigor um ano antes das eleições do próximo ano. Pouca gente considera possível todos esses trâmites acontecerem até 2 de outubro. O sentimento presente é de que o pedido da presidenta Dilma Rousseff não foi ouvido.
Alguns parlamentares, que atuam em várias frentes de formulação de ideias que possam alterar o sistema eleitoral do país, ainda resistem a formalizar o desânimo. Mas a própria diversidade de propostas em andamento sinaliza, em vez de uma concentração, uma desagregação de esforços capazes de surtir efeito prático antes dos pleitos de 2016 ou 2018.
É o caso, por exemplo, do Grupo Técnico da Reforma Política da Câmara, coordenado pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). O grupo aprovou na quarta-feira (5), por exemplo, o final da reeleição para os cargos de prefeitos, governadores e presidente da República na proposta a ser elaborada pela Casa. A reeleição, entretanto, nem está entre as prioridades defendidas pelos movimentos sociais e de entidades da sociedade civil, que há anos empunham bandeiras como o financiamento exclusivamente público de campanhas, o voto em lista e a ampliação dos canais de democracia participativa nas decisões importantes para os rumos do país.
Insatisfeitos com o ritmo de trabalho desse grupo, integrantes do PT, PCdoB, PDT e PSB apresentaram uma Proposta de Decreto Legislativo (PDL) propondo a realização de um plebiscito. A proposta – que tem destaque para o fim do financiamento privado -conseguiu número de assinaturas suficientes para ser apresentado à mesa diretora na última semana. Em seu pronunciamento em cadeia nacional, na sexta-feira (6), a presidenta Dilma Rousseff manifestou claramente a preferência por essa solução.
“O Pacto da Reforma Política e Combate à Corrupção acaba de dar um bom passo com a proposta de decreto legislativo para a realização do plebiscito. Queremos mais transparência, mais ética, honestidade e mais democracia. Isso passa, necessariamente, pela reforma das práticas políticas em todos os níveis”, declarou Dilma.
“Se os parlamentares tiverem juízo, trabalharemos para que haja esforço político nesses próximos dias e consigamos aprovar algumas regras que, embora pareçam pequenas, poderão representar um grande passo para o início desse trabalho importante que é o da reforma política”, afirmou o senador Jorge Viana (PT-AC), que lidera ele próprio uma terceira frente de trabalho com vistas a uma reforma.
Viana, um dos políticos da base do governo que tem criticado a morosidade do Congresso, diz ter esperança de que sejam feitas, ao menos, mudanças em relação ao gasto de campanhas ou que reduzam o custo e o financiamento feito por pessoas jurídicas aos candidatos.
“Está claro que o país precisa de uma reforma política. Isso é constatado por meio de pesquisas feitas junto à população e pelo desprestígio crescente da representação política no Brasil. Mas é lamentável que, apesar disso, algo que dependa exclusivamente de nós, deputados e senadores, não se concretize. Hoje em dia, campanha eleitoral é sinal de corrupção e se nada for feito, continuará sendo assim em 2014”, reclamou.
Várias frentes
Viana e outros deputados e senadores da base do governo tentam a aprovação, nas próximas semanas, de alguns itens de uma minirreforma eleitoral elaborada pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) e de projetos de lei em separado que possam modificar pequenas regras. Mas as mudanças que esperam conseguir alcançar para o próximo ano – como tempo de propaganda eleitoral gratuita na TV e prazos referentes a convenções para homologação de candidaturas, assim como proibições ou reduções de circulação de carros de som – são pouco significativas diante das expectativas da sociedade.
Numa outra frente, tramitam três Projetos de Lei do Senado (PLS) de autoria de Jorge Viana que estavam engavetados e começaram a ter andamento na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Casa. O primeiro, trata do financiamento privado de campanha, propondo limites às doações feitas por pessoas jurídicas. Ainda que não venha a conseguir acabar com esse tipo de “patrocínio”, Viana acredita que por outro lado, o texto pode ao menos representar um avanço no sentido de minimizar esse tipo de prática.
O relatório foi apresentado esta semana pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) – designado para a relatoria -, mas foi paralisado outra vez mediante pedido de vista feito pelo senador Pedro Taques (PDT-MT). Outra proposta, que reduz gastos de campanha, foi distribuída para um relator: o senador Aloísio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
Ficou faltando, da cota de Viana, um terceiro PLS, que tipifica como crime o caixa dois, que ainda não teve movimentação na CCJ. Mesmo assim, não se pode ter na conta que tais matérias estão “andando”. “A questão é só de vontade política e do empenho do Renan Calheiros (PMDB-AL, presidente do Senado) em acelerar a votação”, diz Jorge Viana.
Na Câmara dos Deputados, o líder do PT, José Guimarães (CE), vê o PDL sobre o plebiscito como uma proposta que “nasceu robusta”, ainda que tardia. “Com a proposta estamos dizendo à população que queremos a reforma política e que o povo seja ouvido, para que a reforma seja transformadora e dê substância aos partidos e ao sistema eleitoral brasileiro”, acentua, evitando expressar alguma expectativa de prazo para que seja votada e de data a ser estabelecida no texto para o plebiscito.
‘Não factível’
O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) rebate as críticas de que o Congresso não tem se esforçado. “Desde que esse grupo foi criado já sabíamos que a reforma a ser proposta não poderia ser factível para 2014. Estamos fazendo o possível e estou muito satisfeito com a proximidade da conclusão dos trabalhos”, diz Vaccarezza, acusado por colegas da bancada governista de fazer corpo mole pelo plebiscito e pela reforma para o próximo ano.
Na reunião de hoje do grupo técnico, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) demonstrou preocupação com o prazo para a reforma e com a forma como a matéria está sendo tratada. Erundina destacou que, como o Congresso há tempos discute o tema de maneira inconclusiva, única alternativa de fazer as mudanças andar é a concretização de um projeto de iniciativa popular.
O Palácio do Planalto evita tocar oficialmente no assunto e destaca por meio da assessoria que a questão está a cargo do Congresso Nacional. Recentemente, o ministro da Educação, Aloísio Mercadante, principal interlocutor da presidenta Dilma Rousseff durante o período das manifestações populares, limitou-se a afirmar que o governo cumpriu com o seu papel contribuindo para que a reforma fosse pautada – uma vez que ouviu vários setores a respeito e sugeriu a realização de plebiscito ao Congresso.
A forma cautelosa de abordar o assunto por parte do governo reflete de forma velada a mesma insatisfação externada pelo grupo de deputados e senadores que constantemente sobe ao plenário pedindo mais atenção para com a reforma, como Guimarães, Viana, Erundina ou a líder do PCdoB na Câmara, Mauela D’Avila (RS).
De acordo com o analista legislativo Antonio Augusto Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o grande problema de qualquer alteração político-partidária valer para 2014 é que temas solicitados por muitas pessoas e mesmo entidades da sociedade civil, como cláusulas de barreiras ou voto distrital, por exemplo, exigem alteração por meio de Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que requer a aprovação de três quintos do total de deputados e senadores.
Já matérias com trânsito teoricamente mais fácil, por exigirem menor quantidade de votos – como financiamento de campanha ou voto em lista fechada, que podem ser aprovadas por meio de Projeto de Lei (PL) – abrangem temas polêmicos e, por isso, também de difícil encaminhamento.
Queiroz acredita que as pequenas modificações a serem feitas para 2014, se forem efetivadas, em tese poderão favorecer quem está no exercício do mandato, o que dificulta a renovação da representação política. “Qualquer pequena mudança, se conseguirmos que aconteça e atualize um pouco as regras vigentes, já funcionará como um pontapé para nós nesse trabalho da reforma política”, pondera Jorge Viana.