O fato de as Organizações Globo assumirem que apoiaram o regime militar, em editorial de O Globo na edição de sábado (31), não significa um reparo de conduta do maior grupo de mídia do país. Para o cientista político Paulo Vannuchi, comentarista da Rádio Brasil Atual, o importante será verificar o que será a Globo a partir dele. “Ela faz o mea culpa e vai mudar? Ou faz o mea culpa para fortalecer a sua posição de combate?”, indaga.
A decisão da Globo se deu depois de uma série de mobilizações no país, na sexta-feira (30), a favor da democratização dos meios de comunicação. No Rio de Janeiro e em São Paulo, elas ocorreram em frente à sede da organização, e os manifestantes entoavam palavras de ordem como “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”.
O texto de sábado – comumente um dia de baixo consumo de jornais impressos – é aberto com menção ao grito popular e reconhece que “trata-se de uma verdade”, e, de fato, “uma verdade dura”. “Já há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro.”
“A lembrança é sempre um incômodo para o jornal, mas não há como refutá-la. É história. O Globo, de fato, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como O Estado de S. Paulo,Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e o Correio da Manhã, para citar apenas alguns”, aponta o editorial.
Na mesma manifestação do dia 30, os membros do Levante Popular da Juventude, grupo que tem chamado atenção por seus protestos de escracho a torturadores, renomearam a ponte Otávio Frias Filho – dono da Empresa Folha da Manhã no período da ditadura – para Vladmir Herzog, jornalista assassinado pelo DOI-Codi.
Vannuchi lembra que a própria empresa que edita a Folha foi por responsável por emprestar carros do jornal para que o DOI-Codi promovesse operações e emboscadas e executasse militantes da resistência clandestina. “Eu pergunto se a Folha, o Estadão, o Grupo Abril vão realizar um mea culpa semelhante”, diz.
Apesar do aparente reconhecimento do erro, no mesmo texto, O Globo menciona que apoiou o regime militar, devido ao perigo do comunismo e de um “provável golpe, a ser desfechado pelo presidente João Goulart, com amplo apoio de sindicatos”.
Para Vannuchi, a Rede Globo se isenta do principal problema que é ‘ter convocado os militares para darem um golpe de Estado, reprimirem, sufocarem sindicatos, prenderem, torturarem e desaparecerem com os corpos de opositores políticos”.
A importância das manifestações a favor da democratização da mídia foi reforçada com a atitude tomada pela corporação. O fato sinaliza a necessidade de continuar a colocar em questão o debate sobre a democracia no campo dos meios de comunicação.
“Se as mobilizações prosseguirem, se reforçarem, é possível avançar. O que pode parecer hoje um objetivo distante, inatingível, pode ser alcançado, que é a democracia que falta no Brasil. Pelo menos um terço dos canais de rádio e televisão estarem nas mãos dos movimentos populares, sociais, comunidades, ONGs, entidades de representação popular, para que todos falem, porque na democracia é preciso assegurar a pluralidade de opiniões”, afirma Vannuchi.
“Trata-se de constituir uma ampla distribuição de recursos, de ondas de TV e de rádio, e a possibilidade de uma imprensa também para o povo, para a classe trabalhadora, para os mais pobres.”
Paulo Vannuchi
Paulo de Tarso Vannuchi é graduado em jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, com mestrado em ciência política também pela USP.
Ocupou o cargo de Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República de dezembro de 2005 a dezembro de 2010. Teve participação efetiva nos movimentos de esquerda durante o regime de exceção. Trabalhou na elaboração do livro “Brasil Nunca Mais”, coordenado por dom Paulo Evaristo Arns.