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Juros altos

Selic não precisa ser o único mecanismo de controle da inflação, aponta especialista

Para economista do Dieese, tentar controlar a inflação por meio das taxas de juros não é apenas ineficaz, como pode contribuir para distorcer o sistema de preços

Gabriela Guedes/Imprensa SMetal
Freepik

A Selic é a taxa básica de juros.

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) divulgou na última reunião do grupo, em setembro, o acréscimo de 0,25 pontos percentuais na taxa básica de juros, a Selic, que chega a 10,75% ao ano. O índice volta a atingir o patamar de março deste ano, sendo um dos maiores do mundo.

A Selic influencia outras taxas de juros do país, como taxas de empréstimos, financiamentos e aplicações financeiras. Ou seja, os juros para quem for parcelar a compra de carros, imóveis ou realizar empréstimos também devem aumentar.

O BC utiliza este mecanismo para controlar a inflação, por meio das expectativas inflacionárias colhidas pela entidade. O economista da subseção dos metalúrgicos de Sorocaba do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Felipe Duarte, questiona o fato da Selic ser o único mecanismo de controle da inflação, já que pelo menos 25% dos preços que compõem o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) sofrem pouca ou nenhuma influência direta da taxa de juros, mas ainda é utilizado como referência para as metas de inflação.

“Quando o problema inflacionário reside em preços que não respondem diretamente à oferta e a demanda, como os preços administrados, ou pior, quando o problema é de escassez de oferta, tentar controlar a inflação por meio das taxas de juros não é apenas ineficaz, como pode contribuir para distorcer o sistema de preços e piorar a alocação de recursos aprofundando a inércia inflacionária”, diz o economista. 

Para Felipe, isso pode se dar pelo fato de que a formação das expectativas inflacionárias do BC se baseiam fundamentalmente na opinião de instituições financeiras, sem o envolvimento de outros setores da economia, inclusive dos trabalhadores, como ocorre em diversos outros países.

Há outros mecanismos de controle possíveis, como, por exemplo, desenvolver um projeto de médio e longo prazo para diminuir a dependência brasileira na importação de determinados bens, o que tornaria a economia mais robusta e menos vulnerável aos ‘ânimos’ da economia internacional, diminuindo a influência da taxa de câmbio na formação dos níveis internos de preços em setores chave. Além disso, também podem ser abordadas questões regulatórias e institucionais mais imediatas, como rever regras de formação de preços, como os dos combustíveis, assim como regras de reajustes tarifários e de tributação.

“A característica da nossa política monetária, tendo como único instrumento a taxa de juros, é ser de curto prazo. Esse intenso ‘curto prazismo’ na condução de questões macroeconômicas é um dos grandes problemas do nosso país”, afirma Felipe.

Duarte explica que este modelo, além de gerar uma série de conflitos de interesse, fornece expectativas inflacionárias pouco representativas do conjunto da economia nacional, dada a preponderância do setor financeiro, o que pode fazer com que as decisões econômicas sejam motivadas por interesses e necessidades que, muitas vezes, podem ser contraditórias e conflitantes com as necessidades do conjunto da população do país.

“Esses são questionamentos importantes quando consideramos a maneira pela qual o BC colhe e forma as expectativas inflacionárias oficiais. Esse modelo é, para dizer o mínimo, problemático do ponto de vista ético e insuficiente do ponto de vista prático, características que tornam tais expectativas muito pouco críveis para a tomada de decisões econômicas. No entanto, elas são utilizadas para tomar decisões econômicas das mais relevantes em nosso país”.

O economista também questiona: “Se é mandato do Banco Central ‘garantir o poder de compra de nossa moeda’, por que se permite tamanha variação cambial de natureza especulativa tendo tantas reservas cambiais? E mais, por que não mudamos a gestão de nossas caríssimas reservas cambiais? E este último não é um questionamento meu, mas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Enfim, a pergunta que não quer calar é: quais são os interesses que mantêm essa modelagem de política monetária?”.

 Investimento produtivo

Uma alta taxa de juros tem potencial para destruir a malha produtiva e infraestrutural de um país, tornando o investimento inviável. No caso do Brasil, há cerca de 40 anos, o país só expande sua capacidade produtiva e infraestrutural aos solavancos e de forma muito restrita e insuficiente, além de apresentar grandes dificuldades de manutenção do que já está construído. O resultado disso é uma deterioração do esforço produtivo e da infraestrutura do país, resultando, entre outros, em um avançado e precoce processo de desindustrialização.

Mas por que isso acontece? Segundo o economista, é, principalmente, a busca por superávits primários crescentes e recorrentes. Isso significa atender aos interesses de quem quer utilizar uma parte cada vez maior da receita do Estado brasileiro, que provém dos impostos e taxas pagos principalmente pela classe trabalhadora, para arcar com a rolagem e os juros da dívida pública. Portanto, a produção de superávit primário se traduz na exigência cotidiana de que o Estado reduza despesas com salários, investimentos e bens e serviços públicos essenciais à população para direcionar mais recursos ao pagamento da dívida pública e às altas taxas de juros a ela associadas.

“O investimento produtivo é o motor da economia capitalista, e seu  ‘interruptor’ é o custo e a disponibilidade de crédito. Altas taxas de juros criam uma barreira tanto para o investimento quanto para o consumo, tendendo a fazer com que a economia opere com ociosidade no curto prazo e desestruturando as atividades produtivas no médio e longo prazo, especialmente as mais sofisticadas e intensivas em capital, que são as que criam postos de trabalho de maior qualidade. Embora apenas reduzir a Selic não resolva todos os problemas, esse é um mecanismo fundamental, pois o custo do crédito influencia diretamente a taxa de investimento. No Brasil, esse mecanismo está desativado há pelo menos 40 anos”, afirma o economista.

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