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Direitos Humanos

Sistema prisional: um drama de toda a sociedade

O Estado de SP não proporciona condições para a melhoria de conduta de presos e só aumenta o risco de agressões aos trabalhadores do sistema prisional, que sofrem com condições inóspitas de trabalho

Revista Ponto de Fusão - Fernanda Ikedo
Divulgação

Sorocaba é um espelho da realidade do Estado, sob gestão de Geraldo Alckmin (PSDB). As três unidades da cidade estão superlotadas

Somente no mês de julho deste ano, o sistema prisional paulista apareceu na mídia por uma rebelião ocorrida no Complexo Penitenciário de Campinas-Hortolândia, por agressão à agente penitenciário em Mairinque e por prisão de uma jovem de 18 anos que levava droga em meio à comida para o marido, no Centro de Detenção Provisória (CDP), de Sorocaba.

Mas o que não se costuma noticiar são as condições a que estão sujeitos os presos, os trabalhadores do sistema e a dura realidade pela qual passam os familiares, que encaram horas na fila para realizarem visitas nos finais de semana.

De acordo com o secretário-geral do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp), João Alfredo de Oliveira, a média de capacidade para um presídio no Estado é de 768 detentos, mas chega a ter dois mil. Esse contingente para apenas 165 agentes penitenciários masculinos e 15 femininos (mas nem sempre chega a ter esse número).

Sorocaba é um espelho da realidade do Estado, sob gestão de Geraldo Alckmin (PSDB). As três unidades da cidade estão superlotadas. Na penitenciária (P2) de Aparecidinha (para quem foi condenado por crimes sexuais), há quase dois mil presos, sendo que o prédio tem capacidade para apenas 757. “O número de servidores não atendem essa demanda. Não há por parte do governo estadual a iniciativa de se proporcionar qualificação e regeneração aos detentos”, afirma Oliveira.

Na P1 “Danilo Pinheiro”, no Mineirão, há cerca de 700 presos em um prédio construído há 40 anos para ser cadeia pública e atender uma população de 281 detentos.

Já o CDP tem capacidade para 650 presos e, atualmente, está com 1800, muitos dos quais são condenados aguardando vagas no sistema prisional.

O desvio de função é corriqueiro, pois há alta rotatividade dos trabalhadores contratados para o setor administrativo, que recebem aproximadamente R$ 1.000. “Eles arrumam outro emprego e quem cobre a função é um agente com mais tempo de casa”.

O convívio com a insegurança

Entre os problemas sofridos pelos trabalhadores está o estresse e as doenças ocupacionais, como a depressão, que segundo o Sindicato, acarreta em um número alto de suicídios cometidos por agentes penitenciários.

“A jornada de 12/36h é excessiva e desumana. Após a oitava hora de trabalho, há estudos que comprovam que o poder de vigilância diminui e é aí que as fugas e rebeliões ocorrem”, avalia o diretor de imprensa do Sifuspesp, Adriano Rodrigues dos Santos.

“Fora as ameaças e os crimes fatais. De 2006 para cá um servidor penitenciário é assassinado a cada 30, 40 dias”, alerta o diretor Adriano.

No domingo, dia 24 de julho, um agente da penitenciária de Mairinque foi agredido quando fazia a condução de presos da ala seis de volta às celas. Um preso teria atingido o trabalhador com um banco plástico, mas o agente conseguiu escapar e evitar uma fuga.

No mês anterior, em Capela do Alto, um agente também foi agredido em situação parecida por 15 presos.

O maior problema é à noite, quando há apenas um agente por pavilhão habitacional com cerca de 900 presos.

De acordo com o Sindicato, são cerca de 1000 presos por mês, ou seja, 1,8 prisões por hora no Estado. Para o coordenador da regional do Sifuspesp, Geraldo Arruda, seria necessário contratar oito mil agentes no Estado de São Paulo, sendo de três a quatro mil para escolta e vigilância.

“Cadeia não é pra melhorar ninguém”

Uma cela que atenderia 12 detentos passa a ter de 50 a 70 presos. Não há clínico de plantão à noite e tanto a água, como a energia e as refeições, são racionadas.

Na fila para a visita desde às 7h, a dona de casa Rose relata que o colchão onde o filho dorme no CDP de Aparecidinha, é cheio de percevejo e que os banhos são gelados. “Não há água quente nem no inverno”, comenta.

As visitas são divididas em dois dias (sábado e domingo), das 8h às 12h para entrada, e saída às 16h. São apenas quatro ou cinco agentes femininas para darem conta de revistar de 400 a 600 mulheres em um único dia.

Próximo das 10h, Rose e dezenas de outras pessoas continuam, sob o sol, a aguardar o andamento das revistas realizadas minuciosamente para checar se não há produtos proibidos em meio às sacolas transparentes ou escondidos no próprio corpo.

“Muitas vezes conseguimos entrar lá pelas duas da tarde e não tem banheiro para a gente usar. Só tem lá dentro, que é sempre sujo e entupido”, diz a mãe que aguarda ansiosa a sentença do juiz para seu filho de 23 anos, que foi preso por tráfico de drogas.

No CDP é proibido entrar com livros, pode somente papel e caneta verde. “Eles deveriam trabalhar aí dentro, fazer algo produtivo”, é o que pensam os familiares.

Uma senhora comenta “é um absurdo alguém trazer droga para esse lugar”. Outras por perto ressaltam que quando isso ocorre todos na fila acabam sendo ‘punidos’ pela lentidão ou por não conseguirem realizar a visita.

As sacolas são, obrigatoriamente, transparentes e os familiares levam comidas, bolachas, pães, bolos e doces para passarem o dia. A permanência é permitida até às 16h.

“Quando chove é difícil porque não tem cobertura nenhuma e se a gente molhar a roupa não podemos entrar”, conta Rose que faz a visita ao filho no CDP há nove meses.

Religiosamente, os finais de semana são comprometidos por esses familiares que lutam contra o cansaço e até contra as doenças para poderem fazer a visita. “Eu já cheguei a desmaiar na fila. O clima é ruim demais. A gente tá condenado junto com eles. Um dia experimentei a comida que eles comem e chorei”, diz uma das mulheres que aguardavam na fila.

Nesse mesmo dia em que a reportagem da Revista Ponto de Fusão conversou com essas mulheres, no domingo, dia 24 de julho, uma jovem de 18 anos, moradora de Itu, com filho de um ano no colo, foi presa, pois tentava passar com drogas na comida. O filho foi entregue a parentes. O pai está no CDP e ela cumprirá pena na cadeia feminina de Votorantim.

Conforme o boletim de ocorrência, a jovem disse que a droga era para o marido pagar dívida no presídio.

Raio-X dos presídios paulistas

• O padrão para um presídio de até 768 detentos seria 165 agentes masculinos e 15 femininos, mas não chega a ter esse quadro completo nas unidades prisionais de Sorocaba e em todo o Estado de São Paulo, nem mesmo na superlotação de 2.000 detentos.

• O salário de escriturários/administrativo varia de R$ 900 a R$ 1.000. Há uma alta rotatividade e, por isso, os agentes concursados já com alguns anos de experiência acabam cobrindo e acumulando a função.

• Uma cela com capacidade para 12 chega a ter 50 detentos.

• São aproximadamente 1.000 presos por mês (1,8 presos por hora) no Estado de São Paulo. Teria que ser construído um presídio por mês.

De 2006 até 2015 um servidor penitenciário foi assassinado a cada 30/40 dias.

• No Estado de São Paulo há 166 unidades prisionais com 23 mil agentes de escolta e segurança, e 5 mil administrativos e psicólogos.

• Para o Sifuspesp (Sindicato dos funcionários do sistema prisional do Estado de São Paulo), teria que ser contratados mais oito mil agentes.

Dados do P1 Aparecidinha

Visitas
• Sábados e domingos das
8h às 12h para entrada e saída
até às 16h.
• São de 4 a 5 agentes femininas para revistar uma população de 400 a 600 mulheres visitantes em um único dia.

Denúncias
• No período noturno, um pavilhão habitacional com 900 presos tem atuação de apenas
um agente.
• Não tem médico clínico de plantão à noite
• Racionamento de água, energia e refeições.

Sistema prisional: um drama de toda a sociedade

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