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Opinião: Os desafios do mercado de trabalho para as mulheres trans

Thara Wells, presidente da Associação Transgêneros de Sorocaba, fala sobre preconceito que ainda existe contra trans, transgêneros e travestis na sociedade e, consequentemente, no mercado de trabalho

Thara Wells
Arquivo Pessoal
Thara Wells é ativista pelos direitos das pessoas trans, transgênero e travestis

Thara Wells é ativista pelos direitos das pessoas trans, transgênero e travestis

Ser uma pessoa transgênero nesta sociedade, neste país, é desanimador. Entre poucos avanços e sucessivos retrocessos, as pessoas transgênero continuam clamando por acolhimento familiar e institucional, por respeito a sua identidade de gênero; por oportunidades no mercado formal de trabalho e para além desses, pelo direito a vida.

Contrariando muitos pensamentos retrógrados que ignoram o fato de que mulheres trans, travestis e pessoas transgênero também já foram crianças. Crianças estas que foram silenciadas, excluídas e violentadas do direito de viver sua identidade. Crianças estas que, desde muito cedo, sentem na pele o quão tóxico é viver em uma sociedade machista, racista, capitalista e patriarcal. E este silenciamento “cala fundo na alma”, até quando muito sufocado o grito sai e ecoa pelos cômodos da casa da “família tradicional e respeitada”; a consequência, a expulsão desse lar.

Quando são “acolhidas” pelas ruas, a prostituição, a depreciação física e psicológica e tudo que orbita neste universo, achar a saída nem sempre é simples. Parece ser, mas não é. A sensação de estar afundando em areia movediça é constante e assustadora.

É sabido que o nosso Brasil é o campeão em assassinatos de pessoas trans e travestis no mundo. Segundo o relatório anual de 2020 da Antra (Associação Nacional de Travestis) foram 175 assassinatos de pessoas transexuais neste ano, o que equivale a uma morte a cada dois dias. E o que sobra para quem não virou estatística?

Obedecendo aos gostos de quem usufrui do aprisionamento social dessa população, uma profissional do sexo após os 30 anos, já não tem vida útil nas ruas. Como pagar as contas?

O sonho de uma oportunidade no mercado formal de trabalho ainda é bem distante para muitas (os) de nós. A porcentagem é vergonhosa de quem teve a sorte de estar com a carteira assinada, os obstáculos, cada vez mais móveis, se lançam à nossa frente todos os dias. Obstáculos esses como a falta de acesso a educação e capacitação. Muitas (os) de nós ainda não sabem nem assinar o próprio nome. Imaginem por quê?

Insisto em desromantizar que lutar pelo pão de cada dia em pé numa esquina é fácil e que, após enfrentar essa rotina, não sobram forças físicas e psicológicas para conseguir minimamente vencer os “entraves” da época escolar e investir em uma capacitação.

“Ah, mas é difícil pra todo mundo”, diz o senso comum. Realmente é, mas a transfobia institucional e disfarçada com um sorrisinho amarelo, ainda é o combustível que potencializa a falta do acesso e da permanência desses corpos como trabalhadores formais.

“Não há vagas pra trans”

Atualmente algumas empresas se abriram – ou ensaiam se abrir – para a inclusão das pessoas trans, mas ainda com muita indignação, esbarramos em situações que já deveriam estar superadas e que só nos afastam de uma vivência digna. Como por exemplo: o respeito ao nome social, garantido pelo decreto federal 8.727/16; a retificação do prenome e gênero, garantido pelo Provimento 73/2018 e o mais lamentável de todos, o uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero. Sim, ainda em 2021, pessoas trans usam banheiros públicos com medo de serem humilhadas ou arrancadas como supostas infratoras da “dignidade hétero cisnormativa”.

Emergencial que derrubemos os murros da transfobia e criemos pontes que permitam a travessia de pessoas trans para o resgate a sua autoestima e do respeito enquanto cidadãos que, de um jeito ou de outro, pagam seus impostos.

Necessário que as empresas criem e invistam em comitês da diversidade ou em formações sobre gênero e diversidade a toda a equipe, além de oportunizar vagas dentro das nossas especificidades, sem romantizar nossas vivencias e sim, conscientes que não estarão fazendo um favor mas contribuindo para o resgate da nossa cidadania.

Sobre a autora

Thara Wells é trans, feminista e graduanda do serviço social. Atualmente preside a Associação Transgêneros de Sorocaba (ATS) e também atua como conselheira no Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CMDM) de Sorocaba.

Sobre a ATS

A ATS é uma associação de personalidade jurídica que tem como objetivo a busca pela integração social e cidadania de transexuais e travestis na cidade de Sorocaba.

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