Os heróis brancos estão em diversas partes da nossa sociedade. São pessoas que, pelo racismo estrutural, se sobressaem em movimentos mesmo que tenham contribuído minimamente e, por vezes, apenas feito o que era de sua obrigação. Mas, ainda assim, levam os créditos e são tratados como verdadeiros santos. Assim é a relação do Brasil com a Princesa Isabel e a Lei Áurea, de 13 de maio de 1888.
O que o Coletivo Racial do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba (SMetal) está cansado de explicar – mas se propõe mais uma vez através desta nota – é que a abolição não aboliu, a princesa não salvou ninguém e a alforria ainda não chegou para muitos negros e negras que ainda são maltratados pelo preconceito e pela falta de oportunidades, simplesmente em virtude da cor de suas peles.
Na última semana, como a pessoa retrógrada e pouco instruída que é, Jair Bolsonaro criou a Ordem do Mérito Princesa Isabel que tem como objetivo homenagear pessoas e entidades que tenham contribuído com ações com “notáveis serviços” relacionados aos direitos humanos.
A pergunta que fica é: Por que Luís Gama, André Rebouças, Maria Tomásia Figueira Lima, Adelina, Dragão do Mar e Maria Firmina Reis, figuras importantíssimas para o movimento abolicionista, nunca foram mencionadas por Bolsonaro? Por que esses companheiros de luta não batizam nenhuma “Ordem do Mérito”?
A resposta, novamente, estamos cansados de explicar. Por isso, todo repúdio é pouco a essa medida que leva o nome de uma monarquista que, por anos a fio, se beneficiou da mão de obra escravagista e – inclusive – possuía escravos. Não somente. A Lei Áurea foi promulgada quando apenas 5% da população negra brasileira estava escravizada e porque o movimento abolicionista não podia mais ser contido.
“Além disso, nenhuma política de compensação ou incentivo foi pensada juntamente a essa medida. Basicamente concedem aos companheiros uma liberdade que não liberta”, comenta Everton Souza, coordenador do Coletivo Racial do SMetal. Não há moradia, emprego ou oportunidades numa sociedade amplamente racista para os negros abolidos pela “princesa heroína”. Existe, apenas, a subsistência.
Mais dois séculos após esse acontecimento, ainda cabe aos negros e negras assistirem a vergonha e inércia branca – dos que se recusam a assumir a herança histórica da escravidão. É tragicômico partindo de uma figura cujo destino é a lata de lixo da história.
Bolsonaro não será mais presidente em menos de um mês. Princesa Isabel não tem relevância alguma depois de dois séculos. Mas o movimento negro brasileiro, como uma primavera, não pode ser contido.