Hiago Macedo de Oliveira Bastos, de 22 anos. Durval Teófilo Filho, de 38 anos. Moïse Kabagambe, de 24 anos. Três homens que, provavelmente, não se conheciam. Em comum, eles guardam o destino: são negros e foram mortos recentemente no Rio de Janeiro.
Mais do que isso, a morte deles guardam outra relação: Hiago e Durval foram confundidos com bandidos e assassinados por autoridades policiais. Um policial militar atirou em Hiago e um sargento da Marinha disparou contra Durval. Já Moïse foi brutalmente espancado ao cobrar o salário em um quiosque comandado por um policial militar.
Os casos dialogam diretamente com o levantamento do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), que foi divulgado nesta terça-feira, 15. Segundo a pesquisa Elemento Suspeito, 63% das pessoas abordadas pela polícia na cidade do Rio de Janeiro são negras.
Os números apresentados são chocantes. Das pessoas abordadas simplesmente andando a pé, 68% são pretas. Outras 71% pessoas negras foram abordadas no transporte público. 17% dessas pessoas foram paradas mais de 10 vezes pela polícia.
Além disso, os dados revelam que 79% deles tiveram a casa revistada pela PM e 74% tem amigos ou parentes negros mortos pelas mãos da polícia.
Realidade nacional
O boletim da Rede de Observatórios da Segurança, que saiu no final do ano passado, confirma essa realidade. O estado do Rio de Janeiro é o que mais tem pessoas negras mortas pela polícia. São Paulo vem em seguida.
Os dados correspondem ao ano de 2020 e apontam que, ao todo, das 2.653 mortes causadas pela polícia, 82,7% foram de pessoas negras. O levantamento “Pele alvo: a cor da violência policial” revela que, em pelo menos seis estados brasileiros, uma pessoa negra foi morta pela polícia a cada quatro horas.
No Rio, foram 939 óbitos de negros em decorrência de ações policiais. Em São Paulo, o percentual chega a 63% de vítimas negras. Os números se repetem em outras regiões, como no Nordeste. A Bahia tem o maior percentual de negros mortos pela polícia, 98%.
Governo Bolsonaro dá forças para o racismo
Para Everton da Silva Souza, do Coletivo Racial do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal), as pesquisas revelam o racismo estrutural da sociedade brasileira. “Infelizmente ainda não superamos o passado escravagista do Brasil, que penalizou milhares de negros durante séculos e faz perpetuar a situação do preconceito racial. E o que vemos na mídia é só a ponta desse problema. Temos muito mais mortes que não ganham destaque, que as mães choram sozinhas e caladas”.
Everton é enfático ao afirmar que o governo Bolsonaro acirrou o cenário de preconceito. “Bolsonaro e sua corja são declaradamente racistas e não escondem isso. Chegamos de ver um negro, aquele que preside a Fundação Palmares, apoiando essa gente e usando da posição para tentar manchar a imagem de pessoas brutalmente assassinadas, como o jovem Moïse. É realmente a ascensão do racismo que ganha força sob esse governo fascista”.
Fábio Rossy, dirigente do SMetal e também do Coletivo Racial, lembra que há pouco tempo tínhamos um cenário diferente. “Apesar da violência contra o povo preto sempre ter sido grande, a gente via uma mudança, com negros ocupando os espaços, entrando nas universidades, no mercado de trabalho. Agora, assistimos a esse retrocesso sem tamanho”.
Novos caminhos
Fábio, que também vai assumir uma vaga no Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Sorocaba, como representante do Sindicato, destaca que é preciso atenção constante para mudar essa situação. “Vejo que, muitas vezes, o movimento negro é reativo, só age quando tem um caso de grande repercussão e a violência, o preconceito está aí o tempo todo. Precisamos de ações concretas cotidianamente para construir outra realidade. Só com uma construção coletiva e consistente vamos mudar essa história”.
O presidente do SMetal, Leandro Soares, aponta para a necessidade de eleger políticos comprometidos com a diversidade. “Esse ano temos a chance de tirar do poder essa gente mesquinha que não respeita o negro, a mulher, o LGBTQIA+. Precisamos de representantes no governo estadual, nas assembleias legislativas, no congresso e na presidência preocupados com o novo povo, preparados para implantar políticas públicas inclusivas de fato. Esse é nosso compromisso nessas eleições”.