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Entrevista

Marcio Pochmann fala sobre as relações do trabalho

Confira a entrevista do economista e professor da Unicamp, Marcio Pochmann, que aconteceu na sede do SMetal de Sorocaba dia 29 de maio. O economista fala sobre precarização e as relações do trabalho

Imprensa SMetal/Paulo Andrade
Foguinho / Imprensa SMetal

Marcio Pochmann é economista e professor da Unicamp

Por Paulo Andrade e Fernanda Ikedo

O economista e professor Marcio Pochmann comenta a precarização do trabalho e posiciona-se a favor de propostas para a área trabalhista, como a redução da jornada. Para ele, é preciso criar instrumentos para se ter um maior controle sobre as demissões. Também comenta sobre a crise mundial, iniciada em 2008.

Confira a entrevista completa concedida pelo economista à imprensa SMetal, logo após a palestra realizada no dia 29 de maio de 2015, na sede da entidade. Pochmann é autor de vários livros com “Nova Classe Média: o trabalho na base da pirâmide social brasileira?” (Boitempo)

Imprensa Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba – Terceirização e rotatividade, por que são as causas da precarização? Como elas precarizam o trabalho no Brasil?

Marcio Pochmann:

O FGTS

A rotatividade ganhou o maior impulso logo no início do regime militar, nos anos 60, quando foi feito uma reforma trabalhista com uma introdução do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Até 1966 nós tínhamos um regime de trabalho que se iniciou em 1923 com a aprovação da Lei Eloy Chaves (base da previdência social brasileira) que estabelecia a previdência inicialmente para os ferroviários aqui em São Paulo e depois foi se generalizando ao longo do tempo. Esta legislação previdenciária determinava que o trabalhador após 10 anos de contrato na mesma empresa, passava a ter estabilidade, ele poderia até ser demitido, mas já com dificuldades, por demissão por justa causa.

Então, no final do golpe militar de 64 abriu, na verdade, a possibilidade de interromper esse regime de contrato, que estabelecia a estabilidade a partir dos 10 anos de contrato na mesma empresa. Em grande medida pela pressão das empresas automobilísticas no Brasil que haviam se interessado no plano de metas do Juscelino Kubitschek, na metade dos anos 50, então elas estavam para completar 10 anos de presença no Brasil. Portanto, 10 anos de trabalhadores contratados, o que implicaria para eles, então, essa situação de estabilidade no emprego.

Não há uma pressão, e isso leva à introdução do Fundo de Garantia que derruba o critério de estabilidade no emprego, abrindo a possibilidade de que as empresas podem demitir a qualquer momento e para isso, ela depositaria um valor que equivalia praticamente a um salário a cada ano, numa conta chamada FGTS. Então, nós passamos a ter ali um processo de estabilidade contratual enorme.

Rotatividade e terceirização

Os Estados Unidos, por exemplo, tem uma taxa de rotatividade ao redor de 20% da força de trabalho, nós temos uma taxa de rotatividade superior a 40%. Isso torna o emprego um pouco estável na empresa e isso faz com que os trabalhadores, num emprego formal, sejam contratados e demitidos, e assim, eles não conseguem contribuir os 12 meses com a Previdência Social. Portanto, vão demorar mais tempo para se aposentar.

A rotatividade é mais presente, é mais forte, junto aos trabalhadores terceirizados do que os não terceirizados. O trabalhador terceirizado tem uma taxa de rotatividade ao redor de 62% a 63%, o trabalhador não terceirizado tem uma taxa ao redor de 36%.

Então a precarização deriva de você ficar pouco tempo no mesmo emprego, por que você é demitido geralmente quando o salário está um pouco maior e você pode ser recontratado com um salário um pouco menor, então é um mecanismo de redução de trabalho, ao mesmo tempo a própria precarização paga em média salários que equivalem a 50% do salário do trabalhador não terceirizado.

Acidentes de trabalho

Também se percebe que nos postos de trabalhos terceirizados há a maior presença de acidentes de trabalho, então são condições mais precárias neste sentido, por que tem menos continuidade no contrato de trabalho, tem uma estabilidade contratual, tem remuneração menor e submetida ao risco do próprio acidente de trabalho. Por isso, é importante a regularização da terceirização.

O problema é que o projeto de lei que foi votado no Congresso está sobre avaliação do Senado não é um projeto de lei que regula a terceirização, mas procura desregular o trabalho não terceirizado, aí significaria um rebaixamento, uma generalização das condições de trabalho vigentes hoje para o trabalhador terceirizado, para então, os demais trabalhadores não terceirizados.

Imprensa SMetal – Professor, uma taxa de rotatividade, pelo que eu entendi, uma média superior a 40% no Brasil, como que em outros países se consegue limitar esta rotatividade? E esses modelos se aplicariam ao Brasil?

MP – Certamente, esta é uma questão de mudar a regulação em primeiro lugar, no meu modo de ver, deveria ser repensado o papel do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, quer dizer, teria um instrumento que agiliza, facilita, a rescisão contratual e o contrato de trabalho, com um tempo tão curto, desestimula a qualificação do trabalhador e da própria empresa. Por exemplo, a empresa, de maneira geral no Brasil, pouco investe na qualificação dos trabalhadores por que temem que o investimento na qualificação se transforme em custo pra ela, por que ela investiria no trabalhador, mas sem ter a garantia que esse trabalhador vai ficar na empresa por um determinado tempo. Quer dizer, uma vez qualificado, esse trabalhador pode, por exemplo, romper o contrato de trabalho e vir a trabalhar na empresa concorrente. Ele não investiu nada.

Ao mesmo tempo o trabalhador não se sente estimulado a uma qualificação permanente, por que hoje ele está trabalhando na construção civil, amanhã pode estar trabalhando no comércio, depois pode virar trocador de ônibus, então que ocupação ele vai ter? Não tem esse interesse em qualificação e a qualificação tem sido cada vez mais importante, não apenas para o próprio trabalhador, mas também para a empresa. Então esta rotatividade é desfavorável ao país, ela precisa ser alterada, ou seja, tornando não mais caro necessariamente o custo da admissão, mas tornando mais administrável.

Dificilmente a admissão, ou seja, a empresa pra admitir precisaria, como ocorre em outros países, avisar o sindicato, por que a demissão é um problema social, à medida que a pessoa perde o emprego ela se transforma em um problema para a cidade, a pessoa que tem menos renda, principalmente um problema de demissão, tem impactos na família. Então, a demissão pode ter consequências sociais, e tem! Neste sentido, a presença de medidas administrativas tornariam mais difícil a demissão.

Tipos de demissão

Também em outros países tem a demissão coletiva e a demissão individual, por exemplo, uma empresa que por ventura demita um determinado número de trabalhadores por mês, se é um número relativamente pequeno, o trabalhador demitido tem acesso ao seguro desemprego, financiado por recurso público, mas se a empresa faz demissões em grande monta ao longo do tempo, esta demissão deveria ser financiada com seguro desemprego que derivaria de um imposto sobre a empresa, por que ela está demitindo mais do que as outras e não há a necessidade de demitir. Você tem formas de regular a exemplo de outros países e que infelizmente, nós não aplicamos no Brasil.

Imprensa SMetal – A adesão do Brasil aos tratados e as convenções internacionais do trabalho também ajudariam a coibir?

MP – Certamente, nós temos parte da OIT (Organização Internacional do Trabalho), por exemplo, medidas que apontam no sentido de manter o trabalhador por mais tempo na empresa, pois mais tempo na empresa é melhor tanto para o trabalhador como para a própria empresa.

Imprensa SMetal – Por que o PT não aderiu, nem no governo Lula e nem no governo Dilma, por que não se trabalhou por essa adesão, pela aprovação no Congresso?

MP – De fato na parte do trabalho não ocorreu grandes avanços no ponto de vista de proposições, não tivemos, por exemplo, o tema da redução da jornada de trabalho. Eu diria assim, por que não avançou? Porque inicialmente no primeiro governo do presidente Lula foi criado um Fórum Nacional do Trabalho para fazer um projeto de reformulação das relações do trabalho. Houve ali um movimento de acordo entre trabalhadores, empresários e o próprio governo. Acontece que esse fórum não resultou num projeto amplo de reformulação, ao meu modo de ver então é uma ausência de uma capacidade de construir um projeto convergente, que terminou inibindo a realização de propostas parciais.

Imprensa SMetal – O senhor falou em redução de jornada de trabalho na sua palestra, entre vários itens interessantes o senhor relacionou a dificuldade em se chegar à redução da jornada, à atual formação cultural da sociedade. Gostaria que o senhor explicasse um pouco pra gente como que isso se dá? Como que a formação, o perfil cultural da população acaba desperdiçando uma luta pela redução?

MP – A luta pela redução de jornada é do final do século 19. Ela não é uma luta pela redução em si da jornada, é uma luta cujo objetivo é que o trabalhador dividirá em 3 horas o seu tempo durante o dia. Ele teria 8h para trabalhar, 8h para ficar com a família e 8h pra descansar. Então, não é uma proposta da redução em si, mas na verdade, estava trabalhando com aquele tempo que seria o tempo do não trabalho.

Sociabilidade

O que ele vai fazer com o trabalho? Ele vai ter uma maior sociabilidade com a família, ele vai usar o tempo para uma vontade própria e para o descanso, então hoje o debate sobre redução de jornada de trabalho é simplesmente redução de jornada, e, a questão chave é, o que o trabalhador e a trabalhadora vai fazer no tempo em que ele não está no trabalho? Se ele não tem algo a fazer que o estimule, o que nós temos visto de maneira geral é que a redução da jornada de trabalho vem acompanhada de um sobre trabalho. Então, de certa maneira isso não condiz com a preocupação que se tem que é, de certa maneira, libertar o trabalhador desse tipo de trabalho heterônomo pela sobrevivência, mas abrir a ele outro campo que diz respeito à questão cultural, aos valores, a forma do seu próprio sentido de vida que organizaria uma sociedade superior.

Imprensa SMetal – Como está hoje esse padrão cultural? Quando a gente fala em cultural, Incluindo as manifestações artísticas, como que isto está hoje no país? Como está esse padrão na sociedade moderna?

MP – Eu vejo na verdade um paradoxo, até por que nós, de certa maneira, dispomos de condições materiais para ter um padrão cultural muito superior ao que nós temos hoje.

Questão cultural

Ocorreu, no ponto de vista da sociedade, uma ascensão social da base da pirâmide social, as pessoas melhoraram materialmente as suas vidas, tiveram acesso a bens de consumo que dificilmente teriam, sobretudo a população mais pobre que ascendeu. No entanto, os valores dessa população que ascendeu são os mesmos de 10, 15, 20 anos atrás com valores culturais muito brutalizados, nós temos valores conservadores. Então, não houve um avanço dos valores, isso indicaria na verdade, no meu modo de ver, certo rebaixamento da cultura no Brasil. Talvez, seria uma crítica aos governos democráticos, os governos pós 1985, que não viabilizaram um avanço cultural no país, secretarias de culturas do município, os governos estaduais e o próprio governo federal tem tido somas de recursos muito pequenas. Quer dizer, não houve um projeto de mudança na cultura brasileira. Eu diria que há um crescimento do conservadorismo, questões que aparentemente estavam superadas, voltaram à tona, e a gente começa a olhar as diferentes formas de manifestação cultural.

O Brasil é um país com uma diversidade cultural muito grande, mas de certa maneira há uma reprodução de uma cultura que está se perdendo do ponto de vista das possibilidades que o Brasil teria, por exemplo, com orquestras sinfônicas, é algo que está ficando cada vez mais isolado a segmentos espaços da população, não há uma popularização da música clássica, do teatro. A população, se você fizer uma pesquisa, talvez não goste, mas será que ela teve acesso a esse tipo de música? Sem ter acesso é difícil que as possam julgar e avaliar.

Imprensa SMetal – E o afastamento do hábito de ler?

MP – Isso é um resultado do crescimento das tecnologias de informação e comunicação. Essas tecnologias favorecem o intercâmbio da comunicação, mas ao mesmo tempo elas estão levando a um processo de emburrecimento da população, por que está se perdendo a capacidade de abstração, de reflexão, você recebe uma mensagem pelo correio eletrônico (SMS) e imediatamente você já responde, você não reflete, não analisa isso ai! É um tempo que você precisa pra isso, e esse tempo pressupõe maior cultura, maior conhecimento e profundidade.

Você vai ler um livro, há várias palavras que você não sabe, você tem que consultar um dicionário, hoje não. As pessoas estão abstraindo isso, ao mesmo tempo as tecnologias de informação e comunicação, que tem o seu lado positivo como a democratização, o acesso, que é inegável. Por outro lado está se constituindo populações cada vez mais polarizadas, quer dizer, é muito comum a construção de grupos homogêneos, o uso do facebook! Tem lá uma rodada de amigos virtuais, mas se eu ficar doente nenhum dos amigos virtuais vai me visitar.

Aceitar o diferente

E, ao mesmo tempo, esse diálogo que eu tenho com meus amigos virtuais eu vou selecionando cada vez mais aqueles que pensam iguais a mim, então a sociedade esta perdendo a capacidade de ouvir o contraditório, aceitar o diferente, por que ela esta sendo reeducada para conviver com grupos homogêneos e isso leva à polarização para que as pessoas vão perdendo a capacidade de ouvir o diferente, de valorizar a diferenciação, a riqueza está justamente no pensamento diferente e não na igualdade?

Imprensa SMetal – Você falou muito da questão do empobrecimento cultural, quanto tempo leva-se para reverter este quadro atual de empobrecimento? Algumas décadas? E no governo do Lula para cá, pode se dizer que foi perdido o “trem” da história nessa questão cultural? Poderia ter se aproveitado as forças favoráveis?

MP – Não acredito que foi um momento perdido, por que obviamente se o Lula houvesse ganhado em 1989 as eleições, quando na verdade nós tínhamos uma correlação de forças muito maior no ponto de vista da presença dos sindicatos, nós tínhamos no final dos anos 80 a taxa de sindicalização no Brasil chegava a 30%, o presidente Lula vence as eleições de 2002 com a taxa de sindicalização que equivale a 16% ou 17% em acordo de trabalho.

O PT

A ascensão do PT se dá num quadro após a presença hegemônica do neoliberalismo, então a luta fundamental, no meu modo de ver, no governo do presidente Lula, foi constituir um governo pós-neoliberal.

O Brasil conseguiu combinar democracia, crescimento econômico e distribuição de renda, quer dizer, são coisas que por muitos anos e até séculos nós jamais haveríamos feito, então foi na verdade um conjunto muito grande de esforços a serem feitos para evitar o malefício do neoliberalismo, mas essa combinação de ações, na verdade, não permitiam você construir um projeto reformista, o que se imaginava necessário fazer, tanto é que nós não fizemos se quer uma reforma, não fizemos por que o governo Lula não pretendeu? É por que não se tem base política pra isso.

Imprensa SMetal – Outra questão é a questão da contra informação, que é para combater, por exemplo, o consumismo em prol de uma cultura, de uma sociedade mais avançada nesse sentido, você acha que o consumismo prejudicou as utopias? E essa ascensão à classe média que o Brasil teve nesses últimos anos?

MP -A utopia do capitalismo é o consumismo, por que cria a identidade de que o consumo leva a superar, digamos, a demanda material, o conforto material e ao mesmo tempo o conforto subjetivo, por que o consumo lhe dá a ideia simbólica de que você esta usando determinada vestimenta ou determinado bem como se te valorizasse perante os outros. Então, há muita subjetividade no próprio consumismo.

O consumo e a esquerda

O capitalismo tem como marca fundamentalmente o consumo. A impressão que temos é que a sociedade aumenta o consumo, mas simultaneamente não satisfaz o subjetivismo, por que tem crescido enormemente o problema da depressão, que é um sinal da incapacidade das pessoas viverem com uma subjetividade, quer dizer, com uma vida com sentido, então ai eu acho que é a dificuldade da esquerda. A esquerda deixou de ser protagonista na construção de uma utopia que disputasse com o consumo. Não se trata de negar o consumo, mas reconhecer os seus limites e a necessidade no plano subjetivo. Oferecer constituição civilizatória superior, e nós estamos tendo incapacidade de ver isto. Você quando olha uma sociedade em que aqueles que mais estudam, os professores são tão mal valorizados, é uma identificação! Para que eu vou estudar? Para que eu vou apostar nisso? Se eu tenho outros caminhos mais fáceis para a ascensão social! É jogador de futebol, cantor, é isso é aquilo, nada contra, mas obviamente a população não vai ser jogador de futebol, não vai ser cantor, quer dizer, o que há ali a ser feliz sem usar esses caminhos que são muito singulares no capitalismo?

Imprensa SMetal – Ainda um pouco sobre consumo, o senhor disse na palestra que a condição de economia hoje está muito voltada para o mercado financeiro, até há um tempo atrás observava-se que o governo privilegiava, em termos de economia, a produção, a distribuição, a transferência de renda e, em determinado momento do governo Lula, quando houve o começo de uma crise econômica por causa das condições internacionais, uma das soluções adotadas foi inclusive estimular o consumo e, a própria transferência de renda aumentou esse volume de consumidores no país. Isso vem mudando, você mesmo disse que hoje está se privilegiando o mercado financeiro, em que momento essa mudança, essa ruptura, essa mudança de modelo começou a acontecer dentro do governo do PT?

MP – As crises que nós tivemos no campo da esquerda são fundamentais pra que a esquerda seja protagonista. Eu quero dizer um seguinte, quando você vai olhar as experiências ao longo da história, por exemplo, os tenentistas dos anos 20, por exemplo, os tenentistas tinham um projeto de sociedade que foi praticamente massacrado, se você pegar a tentativa dos comunistas em 1975, com a intentona comunista, é um protagonismo que não se viabiliza. Então, eu quero dizer o seguinte, a crise do mensalão lá em 2005, por exemplo, foi fundamental pra mudar o governo Lula, quer dizer, o governo sem o mensalão eu não sei se talvez o Lula tivesse apenas tido um mandato, o mensalão fez com que o governo reagisse e fizesse coisas que até então eram inimagináveis.

A crise de 2008 também fez com que o governo tivesse que tomar decisões que também não sei se estavam no seu horizonte, decisões como, apostar nos bancos públicos, e foi apostado, apostar no programa Minha Casa Minha Vida.

A crise impõe à esquerda uma necessidade de reação até por sua sobrevivência e faz avançar. Eu tenho uma visão, que é destacado em artigo, que, olhando em 2015 nós estamos num ponto ótimo da crise. O que é um ponto ótimo da crise? Estamos derivando de uma crise política para uma crise econômica e para uma crise social, esta crise vai levar, em algum momento, o PT, a presidenta Dilma a tomar ações que não estão no seu horizonte agora, por que a crise vai levar algum questionamento maior por parte do seu governo.

Então eu não vejo a crise, na verdade, como um problema em si, embora seja, mas também a crise como oportunidade de você caminhar ou acelerar determinadas decisões que aparentemente não estão no seu horizonte.

Imprensa SMetal – Mas quanto tempo isso pode levar, quando a sociedade vai começar a perceber que o desemprego voltou a diminuir, que a gente está caminhando de novo para aquela situação de quase pleno emprego? Quando é que a massa salarial vai aumentar? O poder aquisitivo vai melhorar?

MP – É que a crise vai abrir a perspectiva pra você recompor as forças políticas. O quadro que nós temos com as políticas não lhe dá grande grau de manobra.

Imprensa SMetal – E como você mesmo falou que não tinha projetos em vista, um grande projeto, não tem uma utopia que comova, que tome os jovens, partidos e sindicatos, quer dizer, como essa crise pode ser benéfica?

MP – Nós estamos na crise mais grave dos 80 anos do capitalismo, não é um ato qualquer, é uma crise de grande dimensão, nós já estamos a sete anos numa crise iniciada em 2008 e os Estados unidos ainda não encontraram solução, a Europa, de 2008 pra cá não cresceu, esta parada no tempo! Os Estados Unidos cresceu apenas 30% do que cresciam, antes de 2008, nós crescemos apenas 45%, então o mundo está crescendo menos, nós estamos com dificuldades de grande proporção. Se você olhar a crise de 29 e o que vai ocorrer nos anos 30, é demorado um tempo, mas você vai ter uma segunda grande guerra mundial, você tem fascismo, você tem social democracia, quer dizer, a minha dúvida é avaliar se esse momento que nós estamos vivendo, os problemas que nós temos derivam de direção. Se é um problema de direção, ou seja, quem está dirigindo o país, o presidente, os governadores, os prefeitos, as lideranças sindicais, os partidos etc.

Essas lideranças que não conseguem oferecer uma alternativa, porque no campo da direita também está difícil, que alternativa eles têm? Eles também não têm alternativa, então, é um problema de direção ou é, no fundo, um problema da própria instituição.

As instituições não têm mais capacidade de responder formatos, convergências, por que a população não vê no sindicato ou no partido aquilo que o estimularia. Então, você vai gerando uma panacéia, uma passividade que não vai produzir necessariamente coisas melhores. Os historiadores falam que a gente tem momentos em que o tempo acelera por que muitas coisas acontecem rapidamente, mas também há tempos que as coisas não acontecem, vão passando, vão definhando, mas sem oferecer necessariamente algo contrário.

Imprensa SMetal – O senhor disse na palestra que o movimento sindical tem uma imprensa enorme, mas que é deficiente, por que ela é desinteressante, ela não atrai o público, não cumpre seu papel, enfim, o papel que poderia cumprir . Agora, qual a solução para aproveitar melhor essa comunicação sindical que se tem e conseguir disputar a formação dos trabalhadores com os veículos de comunicação tradicionais?

MP – Eu diria uma mudança cultural que pressuponha entender que a comunicação é estratégia para uma instituição que visa representar interesse de outros, a comunicação é estratégia.

Movimento sindical

Tem três funções no caso do sindicato que são estratégicas: a comunicação, a formação e as finanças. Finanças por que se você não tem dinheiro você faz pouca coisa, formação é por que se você não tem um quadro à altura, o que nós temos mesmo na verdade, são quadros sindicais muito rebaixados no Brasil, são de baixa capacidade. Infelizmente, são pessoas que não estudaram e nem sei se estudando melhoram.

Eu diria que a classe trabalhadora, na média, está acima dos dirigentes sindicais. A formação é absolutamente fundamental e o outro passo é a questão da interação, da comunicação, é como é que você se comunica, por que também a classe trabalhadora é muito heterogênea, você tem pessoas com mais idades e que não usam a tecnologia de informação, outros que só usam, outros que usam parcialmente, quer dizer, entender isso significaria compreender que a comunicação não é apenas transmissão de informações, mas na verdade é um passo necessário à sistematização das informações, ou seja, na produção e difusão do conhecimento, é dar centralidade para aquilo que hoje é colocado como mais um apêndice. Isso, no meu modo de ver, é um elemento chave, por que a comunicação não é feita só por jornalista, embora eles sejam profissionais, a comunicação é feita todo dia.

Imprensa SMetal – Quais os meios, os veículos mais apropriados pra fazer isso? Se, pra fazer isso, para melhorar também, o movimento sindical não teria que romper um pouquinho com o corporativismo, conseguir falar mais abertamente com a sociedade por meio de veículos diferentes? Sair do formato de boletim sindical?

MP – A impressão que eu tenho é que a direção dos sindicatos não entende perfeitamente qual o papel do sindicato. Por algum tempo o sindicato tem sido na verdade uma política de emprego para pessoas, então as pessoas vão ali sem produzir.

Há certa divisão entre as centrais sindicais e do seu público sindical, então você não tem muitas disputas na base, há certa acomodação. Não há um reconhecimento de que os sindicatos poderiam fazer muito mais do que fazem hoje, isso, obviamente, faz com que os sindicatos reproduzam ações de muito tempo e que não tem identidade com essa classe trabalhadora que se amplia.

Isso gera os problemas que nós estamos vendo que hoje é um lamento do sindicato, os sindicatos estão se isolando da sociedade, se isolam do seu próprio público, como eu posso dizer? Não sei se é um problema cultural ou se é um problema dessas direções, se essas direções não são boas, mas em algum momento, se esse é o problema eu diria que nós vamos resolver, por que em algum momento vai haver uma renovação, como ocorreu nos anos 70, no Brasil em 80, então com a renovação vai melhorar.

Pode ser que não seja um problema das direções, esse é um problema que a instituição chamada sindicato não dá conta dessa nova realidade do trabalho, vai ser preciso outra instituição, é como se nós tivéssemos voltando 150 anos atrás. Estamos diante da segunda revolução industrial tecnológica e sua formação da grande empresa e você tinha o sindicato de ofício, que era um sindicato de pequena empresa, era um sindicato que olha pelas elites operárias e não um conjunto. O sindicato de ofício não conseguia responder aquela expansão da classe trabalhadora originária das grandes empresas com a revolução industrial.

Foi preciso surgir um novo sindicalismo para dar conta dessa realidade, então eu não sei se é um problema da estrutura de representação ou é de direção.

Imprensa SMetal – Do tamanho que a CUT é, por exemplo, não daria pra ela ter um veículo de comunicação que concorresse, que formasse um segmento em massa? Como faz a Folha de São Paulo?

MPTecnicamente, não há nada que impeça uma central sindical de ter um jornal, não há nada que impeça de você ter nas cidades um único espaço que teria todos os sindicatos.

Você vai fazer um grande evento, você não tem espaço, têm que alugar um hotel, todos os sindicatos tem sedes! Será que não poderiam fazer uma coisa só? Podia, mas eu vejo que não é um problema técnico, é um problema político. É a fragmentação que de certa maneira garante empregos para determinados segmentos que de outra maneira não teria essa possibilidade, por que no fundo tem um problema, tem uma questão cultural que é o seguinte, nós somos uma sociedade muito desigual, e o fato, de maneira geral, ser dirigente sindical é um status social, é uma condição de vida superior ao trabalhador simples que não se verifica em outros países.

Você vai à Suécia, se é dirigente sindical, se é trabalhador, às vezes ser dirigente sindical é bem pior, no Brasil não, você tem certa estrutura que diferencia, então você tem uma briga para as pessoas não voltarem a ser trabalhadoras normais e isso vai reproduzindo e multiplicando sindicatos, tem financiamentos praticamente já garantido e isso é muito difícil de mudar no Brasil, infelizmente.

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