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Direitos Humanos

Extrema pobreza atinge 6.375 famílias em Sorocaba

Segundo informações da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), em Sorocaba há 6.375 famílias em situação de extrema pobreza. Oque representa 8,5% da população sorocabana

Jornal Cruzeiro do Sul/Larissa Pessoa
Erick Pinheiro

Ao todo, cerca de 51.300 pessoas que residem no município estão em situação de pobreza ou extrema pobreza

Viver, ou sobreviver, com até R$ 2,56 por dia é a realidade de membros de 6.375 famílias de Sorocaba. Essa condição, chamada de extrema pobreza, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), se caracteriza quando a renda per capita familiar é de até R$ 77. Já a pobreza, segundo o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), é quando a renda per capita fica entre R$ 77 e R$ 154. Nessa situação, de acordo com a Sedes e o Cadastro Único (CadÚnico) para programas sociais, encontram-se 8.717 famílias.

Ao todo, cerca de 51.300 pessoas que residem no município estão em situação de pobreza ou extrema pobreza. Isso representa 8,5% da população sorocabana. De acordo com a pasta, entre os bairros com maior índice de indivíduos em vulnerabilidade social estão o Conjunto Habitacional Ana Paula Eleutério (Habiteto), Vitória Régia, Nova Esperança, Jardim Ipiranga e Lopes de Oliveira.

O Bolsa Família é um dos programas do Governo Federal que visam o combate à fome e atualmente atende 12.844 famílias de Sorocaba. Esse número, porém, é 82% do total de núcleos que podem participar do programa. Ter renda per capita entre R$ 77 e R$ 154, sendo que existam na família crianças com idade de zero a 17 anos ou renda per capita abaixo de R$ 77, sendo qualquer a composição familiar (mesmo idosos ou famílias de uma pessoa) é o principal critério para a concessão do benefício. De acordo com o MDS, uma análise da situação de cada família é realizada de forma totalmente individual e então o valor da bolsa é determinado.

Fome é a maior inimiga

“Passamos 15 dias sem nada em casa e aí a gente comia o que achava no lixo”, conta Elza Helena de Matos, 56. Com problemas de circulação nas mãos e braços, além de deficiência visual, ela passa o dia todo recolhendo materiais recicláveis pelas ruas de Sorocaba e ao voltar para casa — alguns cômodos de alvenaria com muitas infiltrações e nenhum acabamento — precisa separar do lixo alguns restos de alimentos. Na casa, além dela, moram também o marido e dois filhos – todos estão desempregados. Embora se enquadre nos critérios exigidos para participar do Bolsa Família, ela faz parte dos 18% da população carente fora do programa.

Ela conta que a casa que mora, no Jardim Aeroporto, já está muito melhor, pois antes era um barraco de madeira e frequentemente era invadido por ladrões, que roubaram até mesmo o carrinho que ela utilizava para recolher material reciclável na rua. “O meu marido trabalhava na Litucera e quando foi demitido, com o dinheiro que pegou, a gente levantou esses cômodos ai, mas acabou a renda e agora tá apodrecendo tudo por causa da chuva.” Elza tem mais um filho, que está preso há três anos e recentemente foi diagnosticado com câncer.

Sobre a fome, ela lembra que muitas vezes não tem nem pó de café em casa e em abril a situação da família foi tão difícil que precisaram comer o que encontravam dentro dos contêineres de lixo. “Tem meses que a reciclagem não rende nada e nós ficamos sem dinheiro nenhum.”

Mesmo faltando de tudo, no muro da casa de Elza há uma placa com o Salmo 23, que diz “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”. O que não pode faltar, segundo ela, é sonho, esperança, saúde e forças para seguir a cada dia trabalhando por uma vida mais digna. A renda que a família obtém com a reciclagem é, em média, de R$ 500, ou seja, R$ 125 por pessoa, mas devido aos vários problemas de saúde que têm, quase metade do valor é gasto com remédios.

Outros programas

Sorocaba aderiu ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS) desde a sua concepção, em 2013, e para ampliar os seus serviços, a Sedes realizou a ampliação da rede de Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), passando de quatro para dez unidades. O Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS) também foi ampliado e passou de uma para três unidades. Segundo a pasta, há também o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), que oferece apoio, orientação e acompanhamento especializado a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos.

Há também, segundo a Sedes, outras ações que visam a retirada de pessoas da situação de pobreza e extrema pobreza, como o programa Cidadania na Mesa, que consiste na distribuição de cartão-alimentação e da cesta verde.

“Minha maior alegria é quando posso ajudar alguém”

Sair da cidade de Redenção, no Pará, em busca de uma vida melhor em Sorocaba foi o que fez Geliléia Pereira Ramos, 40, há nove anos. Ela saiu de lá com os quatro filhos e veio, primeiramente, conhecer a cidade, que já era a casa de outros seis irmãos. “Mesmo nessa situação que eu vivo aqui, alagando o barraco, faltando o que comer, ainda é muito melhor do que lá de onde eu vim”, garante. Duas filhas de Geliléia já se casaram e com ela moram apenas David, 11, e Rafael, 22, que sofre com deficiências mentais e motoras.

O barraco que ela construiu fica à beira de um córrego no bairro Mineirão e as enchentes são comuns. “No mês passado mesmo, quando deu uma chuva mais forte, a gente perdeu tudo e teve que recomeçar do zero, contando com doações.” Geliléia é cadastrada no programa Bolsa Família, mas não recebeu o benefício de R$ 200 nos dois últimos meses, isso porque Ediele, sua filha de 15 anos, casou, teve bebê e deixou de ir para a escola. No início de maio a paraense regularizou o benefício e explicou a situação da filha. Agora ela aguarda receber a quantia em junho.

Seja faxinando, varrendo rua ou trabalhando como garçonete, Geliléia conta que sempre procura por alguns bicos para complementar a pequena renda, mas ultimamente nem isso consegue arrumar. O pai de seus filhos, lembra, abandonou a família ainda em Redenção e nunca mais deu notícias ou alguma ajuda financeira. Ela conta que embora as adversidades tentem tirar o seu sorriso, mesmo banguela ela faz questão de sorrir e seguir em frente.

A falta de mantimentos também faz parte da rotina da família, mas a paraense garante que sempre que tem algo e um vizinho precisa, faz questão de dividir. “Se eu tiver só dois copos de arroz, a metade eu empresto se alguém precisar. Aqui a gente tem que se ajudar e essa é minha maior alegria.” Ajudar parece estar no sangue e o pequeno David conta que seu maior sonho é “ser veterinário e ajudar todos os animais que puder”.

Ao longo do córrego, entre os vários barracos que o cercam, muitos cachorros podem ser vistos e todos eles, garante Geliléia, são amigos de David. “Ele cuida, trata, faz carinho e se ver alguém judiando dos bichinhos ele briga”, conta a mãe. Spike, um filhote de vira-lata é o maior xodó de David. Ele conta que adora ir para a escola porque sabe que esse é o único caminho para conquistar seus objetivos e também ajudar a família.

Mãe e filhas passam mês com R$ 32

R$ 1,60. Esse é o valor que a dona de casa Ana Lúcia Martins Bianco, 43, tem diariamente para gastar com ela e as filhas Juliana, 11, e Heloísa, 2. Os R$ 32 que recebe mensalmente são do Bolsa Família e essa é sua única fonte de renda. “Hoje eu não tenho como sair para trabalhar porque não tem vaga em creche e nem escola integral para a Juliana. Quando a Heloísa estiver maiorzinha vou tentar voltar a fazer faxina.” Ana Lúcia conta que o seu maior medo é por conta da violência, que já é comum no bairro que vive, o Jardim Aeroporto.

A casa de um cômodo e banheiro de alvenaria, sem acabamento, é alugada e segundo ela, quem paga essa conta é o ex-marido, assim como as faturas de água e luz. “Meu sonho mesmo é sair daqui e ter um lugar mais seguro para criar minhas filhas.” Já faz parte da rotina a falta de algum alimento, às vezes arroz, às vezes feijão. Ela conta que a doação mensal de uma cesta básica que recebe de uma igreja do bairro é essencial para sobreviver.

Juliana tem um olhar triste e é de poucas palavras. Quando questionada sobre a profissão que pretende seguir, ela diz não saber, mas garante que gosta de ir para a escola. Já Heloísa parece não entender muito bem a situação que vive com sua família; só sorri e pula pelos poucos móveis que ocupam o imóvel. “A minha motivação e minha alegria são elas”, garante a mãe. Ana Lúcia tem mais três filhos que preferiram morar com o pai, que pode oferecer uma condição melhor de vida.

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