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Entrevista

“Eu não sei se a FEM vai sair de mim”, diz Luizão sobre a Federação

Dos sucessivos ataques à classe trabalhadora até a falta de recursos para atuação, Luiz Carlos da Silva Dias faz um balanço dos seus 6 anos e meio como presidente da FEM/CUT-SP em entrevista ao SMetal

Imprensa SMetal
Foguinho/Imprensa SMetal
Luizão esteve com os metalúrgicos de Sorocaba em diversos momentos

Luizão esteve com os metalúrgicos de Sorocaba em diversos momentos

Visivelmente emocionado, Luiz Carlos da Silva Dias, o Luizão, assistiu à transição da presidência da Federação Estadual dos Metalúrgicos da CUT (FEM/CUT-SP) em plenária realizada no último final de semana. Ele, que agora assume a direção executiva do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, passa o bastão para o companheiro Erick Silva.

Na bagagem, estão o enfrentamento aos ataques sucessivos à classe trabalhadora, ameaças do empresariado aos trabalhadores da categoria e uma pandemia que demandou muita luta para que os metalúrgicos não sentissem, tão intensamente, os efeitos mais duros. Seu legado é dividido com os companheiros nesta entrevista concedida ao Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal).

Linha do tempo

Luizão assumiu a presidência da Federação em 2015 e, à época, as conjunturas econômica e política eram outras. No entanto, já se criava o cenário para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Na visão dele, o desmonte dos direitos trabalhistas começou ainda na fala de Aécio Neves (PSDB) ao perder a eleição de 2014. “Ele comentou, quando perdeu, que a gestão petista não teria um dia de paz para governar. E cumpriu”, diz.

Seu primeiro ano de gestão à frente da FEM foi atípico. Logo na Campanha Salarial de 2015 precisou fazer concessões. A inflação, que no período alcançou índices exorbitantes, demandou a tomada de uma decisão corajosa para que os trabalhadores não saíssem prejudicados. “Nós fomos obrigados a dividir o reajuste em duas vezes (uma parte em setembro e a outra em dezembro). O país estava em recessão e começava um desemprego enorme. Nós não tínhamos alternativas e, de qualquer maneira, a gente quis o tempo inteiro preservar as nossas Convenções Coletivas”, recorda.

Em 2016 o mesmo problema. Desta vez, com um ataque ainda pior aos trabalhadores e trabalhadoras. “Na consolidação do golpe de 2016, o congresso começa a receber medidas anti-trabalhador”, conta o metalúrgico. E, de fato, foi o que aconteceu. O impeachment, sem provas, deu liberdade para que os inimigos dos trabalhadores pudessem agir da maneira que melhor entendessem. As entidades sindicais, como a FEM, alertaram e protestaram contra a retirada de direitos que estava por vir com o debate de pautas como a terceirização irrestrita e, por fim, a tão sombria Reforma Trabalhista que, em 2017, seria aprovada com a sanção de Michel Temer (MDB).

Foguinho/Imprensa SMetal
Entidades sindicais e movimentos sociais foram às ruas para protestar contra a Reforma Trabalhista

Entidades sindicais e movimentos sociais foram às ruas para protestar contra a Reforma Trabalhista

“A Reforma Trabalhista foi apresentada pelo governo Temer e o Congresso Nacional conseguiu piorar aquilo que foi proposto. O Congresso colocou ainda mais perversidade no que já era ruim”, analisa Luizão. Ele completa sua avaliação do período relembrando um dos itens que mais foi impactado. “Um dos pontos mais delicados é a inversão da lógica das normas. Antigamente, a Convenção Coletiva era o que valia mais, seguida do Acordo Coletivo e, por último, o Acordo Individual. A partir da reforma, isso muda. As proteções são invertidas e o governo tenta afirmar que a proteção individual é melhor do que a coletiva”.

Além do enfraquecimento dos direitos coletivos, as entidades sindicais foram igualmente atingidas por essa tentativa de esmorecer a classe trabalhadora. Com a Lei 13.467/2017, que naturalizou a flexibilização das relações de trabalho e deu espaço para o sucateamento de direitos, também foi aprovada a desobrigação do imposto sindical que, antes, era recolhido e revertido ao manutenção das forças que protegem os trabalhadores.

O sufocamento financeiro foi, somente, mais uma das crises que a Federação enfrentou, sob a presidência de Luiz, com firmeza e coragem. “Uma Confederação ou Federação sobrevive quase totalmente do que era a contribuição sindical e, com a reforma, essas entidades perderam uma parte massiva da sua receita. No caso da FEM, houve uma perda de 92% dos recursos”, relembra.

Com isso, estava claro que a base governista tentava deixar os trabalhadores cada vez mais desassistidos. Primeiro, retirando seus direitos. Depois, enxugando as verbas daqueles que são seus representantes nas fábricas e mesas de negociações Brasil à fora.

Bolsonaro e as alianças com o empresariado

Outro momento especialmente difícil durante a gestão de Luizão, foi assistir à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O petista, que tinha pretensões de estar na corrida eleitoral pela presidência do país, foi detido – sem provas – em abril de 2018. O diretor dos metalúrgicos do ABC analisa que, a polarização da sociedade e a perda de espaço do Partido dos Trabalhadores, foram motivos pelos quais o projeto de Jair Bolsonaro (sem partido) saiu vitorioso nas eleições deste ano.

“Essa eleição fez com que o empresariado se sentisse mais empoderado. Eles têm a Reforma Trabalhista e, naquele momento, um governo que dialogava com os interesses dos empresários. É importante destacar que boa parte do empresariado paulista apoiou (e ainda apoia) esse governo”, coloca.

Ele se lembra de uma ocasião em que o presidente de uma grande associação patronal não compareceu à assinatura das Convenções Coletivas organizada pela FEM, juntamente com representantes das bancadas patronais. A justificativa foi de que ele estaria em atividade no Rio de Janeiro e, por isso, não compareceu à reunião. Um pouco mais à noite, uma foto ao lado de Jair Bolsonaro nas redes sociais mostraria que o “compromisso” era entregar uma carta de apoio ao político conservador.

Um ano depois, em 2019, os representantes da Federação já começam a ouvir ameaças às Convenções Coletivas por parte do empresariado. Uma das frases mais marcantes, para Luizão, foi: “Sei que para vocês está bem complicado, mas é melhor isso do que perder tudo”.

Sindicalismo volta a ser protagonista

Há quem diga que são nas crises que se reconhece quem está ao lado. No capitalismo, não é diferente. A pandemia do coronavírus, que teve início no Brasil em março de 2020, expôs a fragilidade do sistema econômico baseado no lucro sobre a vida. Em um momento que diversos empregos foram perdidos, os metalúrgicos tiveram acordos coletivos que protegeram a vida e a renda. Nesse aspecto, Luizão destaca a atuação dos sindicatos filiados à FEM que, hoje, representa 194 mil trabalhadores da categoria.

O SMetal, em específico, foi pioneiro em ações que visaram preservar os mais diversos âmbitos da vida dos metalúrgicos. Cerca de 20 mil trabalhadores foram abrangidos em acordos que flexibilização de jornada, antecipação de férias e de feriados, suspensão do contrato de trabalho com direito a salários líquidos ou próximos desse valor, entre outras medidas.

Fazer das ferramentas digitais aliadas foi outra marca do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba entre os anos de 2020 e 2021. Mais de 19 mil trabalhadores tiveram acesso a votações pela plataforma online desenvolvida pelo Sindicato; foram pelo menos 200 assembleias e mais de 180 acordos aprovados de forma remota.

Divulgação
FEM também se reinventou e usou o espaço digital para plenárias e deliberações com os filiados

FEM também se reinventou e usou o espaço digital para plenárias e deliberações com os filiados

“Em um momento de penúria, o movimento sindical arriscou e ousou para ajudar os trabalhadores. Eu vejo que, neste ano, o sindicalismo recuperou seu prestígio com a classe trabalhadora que viu que foi esse movimento quem deu a cara para ir e defender. As empresas, por outro lado, também perceberam a importância de receber, ouvir e dialogar com os sindicalistas”, analisa.

Gratidão. Respeito. Solidariedade.

Quando questionado sobre quais palavras usaria para definir os 6 anos e meio como presidente da FEM, Luizão respondeu: “Gratidão, respeito e solidariedade”. Sobre a primeira, ele diz que “não poderia deixar de agradecer pelos companheiros de estrada que estiveram ao seu lado quando as crises pareciam não ter fim”. O respeito é sobre fazer parte de uma entidade de trabalho sério e constante em defesa aos trabalhadores. A solidariedade, ele vê no esforço dos companheiros em ajudar, uns aos outros, no fortalecimento das instituições, das amizades e, acima de tudo, na luta.

“Vou ajudar essa nova direção como se eu ainda fizesse parte da composição da diretoria e torço para que eles façam um trabalho muito melhor, inclusive, do que eu fiz. Estarei por perto para auxiliar no que for possível porque eu pude estar presente e ver o quanto as pessoas são sérias e dedicadas nesta entidade”, projeta. “Eu falei para um amigo nosso: Olha, estou saindo da FEM, mas não sei se ela vai sair de mim’”.

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