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Meio Ambiente

Em entrevista ao SMetal, Dom Eduardo comenta a encíclica ‘Laudato Si’

Entrevista com Dom Eduardo Benes de Sales, Arcebispo Metropolitano de Sorocaba, dia 20 de junho de 2015, na residência do Arcebispo. A encíclica havia sido divulgada dois dias antes, em 18 de junho

Imprensa SMetal / Daniela Gaspari
Foguinho/Imprensa SMetal

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues é Arcebispo Metropolitano de Sorocaba e concedeu entrevista ao SMetal no dia 20 de junho de 2015

Daniela Gáspari

Entrevista com Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues, Arcebispo Metropolitano de Sorocaba, dia 20 de junho de 2015, na residência do Arcebispo. A encíclica havia sido divulgada dois dias antes, em 18 de junho.

Imprensa SMetal: Tem gente considerando a encíclica papal ‘Laudato Si – Louvado seja’ como uma revolução cultural, pois ela não fala apenas com o católico, ela traz um tema de interesse de toda a sociedade: o meio ambiente. Qual sua opinião sobre a encíclica?

Dom Eduardo: É uma encíclica realmente que está fazendo um forte convite e apelo para toda a humanidade, a toda pessoa capaz de pensar sobre a situação global do nosso planeta, a tomar posição.

A análise inicial, o capítulo 1º, que é uma avaliação da situação atual do planeta Terra, da nossa casa, a análise é cientificamente fundamentada, onde aborda as questões que já são mais ou menos divulgadas pela mídia. Elas já eram objeto de consideração de cientistas, de grandes encontros mundiais, mas que na carta encíclica ganha um vigor novo essas observações, que têm forte base científica. Ela [encíclica] descreve como é a degradação ecológica do ambiente em que nós vivemos, da nossa terra, como ela atinge hoje, sobretudo os mais pobres; e como essa situação nos chama a responsabilidade sobre as gerações que virão depois de nós. Fala dos nossos filhos, que mundo nós vamos deixar.

O aquecimento global, por exemplo, previsão de até o fim do século de 2%, 4% de aquecimento, ele usa essa comparação, parece, em algum momento, enfim, imagine dois ou três graus de febre a mais. Você de 37 para 39, 40 graus, o que significa para o corpo humano e o que significa para a terra.

Então é uma carta que certamente está tendo e terá uma grande repercussão, e oxalá uma repercussão tenha efeitos práticos de medidas a serem tomadas pelos responsáveis, mas também pela pessoa que não vai deixar um reciclável na rua, não vai jogar no rio.

Mas [a encíclica] chama e conclama a todos, e deve produzir esse efeito, uma tomada de posição no sentido de frear essa degradação do nosso planeta, que ele deu o título de ‘Carta Encíclica Louvado Seja, do Santo Padre Francisco, sobre o cuidado da casa comum’, do nosso planeta terra.

Então é realmente belíssimo. Ela tem elementos científicos, um elemento de avaliação bíblico, do evangelho, teológica; e há também uma avaliação de cunho antropológico, mais filosófico. Portanto atinge importância também para aqueles que não crêem. E depois há propostas de ações concretas a serem tomadas.

E, por fim, um elemento fundamental, a espiritualidade, um capítulo final sobre a espiritualidade ecológica. Ou seja, de nada vale tudo isso se não houver nas pessoas uma disposição e um amor verdadeiro ao planeta terra, que é um amor ao próximo, hoje sobretudo aos mais pobres.
Portanto, é uma responsabilidade que nos atinge a todos em razão de uma solidariedade que existe entre os seres humanos entre si; e uma solidariedade que existe entre o ser humano e a terra. Quando digo solidariedade, não me refiro à virtude, me refiro a uma interdependência dos seres humanos, uns para com os outros, e como a terra precisa de nós e de como nós precisamos da terra. O destino de um compromete ou promove o destino do outro. É uma solidariedade que antecede a nossa vontade. Somos solidários, para o bem ou para o mal. Essa observação é importante e ele procura colocar essa preocupação ecológica usando uma expressão criada por João Paulo II: ‘Não basta falar de uma ecologia ambiental, da natureza, mas de uma ecologia humana’. Ou seja, em que a motivação seja sobretudo a preocupação com o ser humano. E a preocupação com o ser humano é naturalmente a preocupação com a própria casa, ninguém quer morar numa casa desmoronando.

Imprensa SMetal: Uma semana antes de lançada vazaram algumas partes da encíclica e apareceram críticas, especialmente de alguns políticos e empresários, de que o Papa deveria deixar a ciência para os cientistas e não se envolver com política e economia. Será que foi porque pegou no ‘calo’ deles a questão do capitalismo, tão citado na carta?

Dom Eduardo: Claro que pegou no calo, porque ele aborda e mostra o desfrutamento do planeta. Ele repete muitas vezes sobre grupos de poderosos que, em função do enriquecimento, exploram o planeta de tal forma que o destrói, degrada o ambiente.

Portanto, ele veementemente coloca essa questão de uma economia e de uma tecnologia que avançam, mas que, em nome do dinheiro e do sentimento de poder sobre a natureza, acham que podem usar a natureza de uma forma como se ela não tivesse limites, como se ela fosse uma fonte inesgotável e que não precisasse ser respeitada e também cuidada, pudesse ser só desfrutada, explorada, explorada e explorada.

Ele [o Papa] coloca questões da necessidade de mudanças da matriz energética. Precisa mudar a matriz energética. Por mais que o pré-sal tenha petróleo para vender, é preciso mudar. E isso naturalmente contraria interesses poderosíssimos. Também toda a questão do desmatamento, a questão da água. Ele aborda a questão da água, não só a água em si, fala de como os pobres sofrem, diz são os pobres que não têm água saudável. Aborda a questão do mar, a degradação, inclusive, da vida marítima dentro das profundezas do mar, o Plâncton, a diminuição de espécies animal e vegetal do mar.

No capítulo 1º ele fala da degradação das mudanças climáticas e sempre volta na questão dos pobres. Só para você ter uma ideia, começa assim: existem formas de degradação que atingem cotidianamente as pessoas. A exposição à poluição atmosférica produz um amplo espectro de efeito sobre a saúde, particularmente dos mais pobres, e provoca milhares de mortes prematuras.

Por exemplo, os poluentes do combustível e outros poluentes que vão entrando na atmosfera e inalados, acabam provocando doenças e, de novo, sobretudo nos mais pobres.

Os ricos se defendem, entram no apartamento, têm ar-condicionado e uma série de formas de proteção.

Os pesticidas… o uso dos pesticidas, com certeza, no Brasil já matou muitos pássaros que se alimentam de flores, de frutos, onde é jogado. Eu era menino e via Pintassilgo por todo lado, hoje você procura um Pintassilgo e é raro encontrar um. Não sei se Curió também. Então, a acidificação do solo e da água, em relação da água com ácidos, os grandes depósitos de lixo, o período de, inclusive, contaminar os lençóis freáticos, e vai por aí afora.

Então ele [o Papa Francisco] analisou a questão da tecnologia que, ligada a finanças, pretende ser a única solução dos problemas. De fato [tecnologia ligada a finanças] não está na condição de ver o mistério das múltiplas relações que existem entre as coisas e, por isso, muitas vezes resolve o problema criando outros.

Ele fala também dessa espécie de escalada, acreditar: se aparece um problema, a ciência avançou tanto e resolve esse problema. Ele diz assim: mas ao criá-lo, um instrumental tecnológico resolve esse problema, essa nova criação cria outros problemas. Então você acaba entrando em uma escalada que não tem fim.

Então aborda todas essas questões, do lixo que vai ser jogado, a produção do lixo, o desperdício…

Imprensa SMetal: E na questão da saúde ele cita também os transgênicos…

Dom Eduardo: Os transgênicos eu não li, eu não sei se tem referência direta aos transgênicos…

Imprensa SMetal: Ele fala sim dos transgênicos. No Brasil foi aprovado recentemente o fim da rotulagem, do direto da população de saber o que está consumindo. Será que a pressão dos católicos, com base nessa encíclica, não consegue reverter isso?

Dom Eduardo: Não, isso tinha que ser a humanidade toda…

Mas, voltando no porquê muitas pessoas são contra, veja o que ele diz nessa descrição do aquecimento: ‘muitos daqueles de detém mais recursos e poder econômico e político parecem concentrar-se, sobretudo, em mascarar os problemas e ocultar os sintomas, procurando apenas reduzir alguns impactos negativos das mudanças climáticas, mas muitos sintomas indicam que esses efeitos poderão ser piores se continuam com os atuais modelos de produção e consumo’. Aqui há um problema mais grave, porque a gente escuta todo dia assim ‘tem que haver desenvolvimento’.

Mas será que não haver um momento que vamos dizer ‘Não. Está bom assim, já dá para todo mundo viver’. Agora, quem está mais interessado em desenvolver, desenvolver – claro, tem que desenvolver os países pobres para que haja trabalho para todos – mas a terra não aguenta um desenvolvimento onde a exploração dos recursos naturais vai se acelerando, acelerando, ela não aguenta. Isso daí naturalmente contraria…

Isso exigiria um modelo de civilização onde as pessoas que contentassem com o necessário, um pouco mais talvez. Se todos os países do mundo tivessem o mesmo nível de consumo de países como Estados Unidos, a terra não aguentaria, ela se arrebentaria.

Então há uma situação em que uma parte da humanidade desfruta de tudo o que é produzido e a outra parte que não desfruta e nem pode desfrutar, porque se ela for desfrutar no mesmo grau, acaba a terra. Como fazer? Tem que haver uma distribuição mais justa de benefícios, do avanço produtivo, tecnológico e, ao mesmo tempo, esse avanço tem que levar em consideração a preservação do equilíbrio ecológico, da ecologia.

A questão da água ele [o Papa Francisco] descreve também como ‘conhecemos bem a possibilidade de sustentar o atual nível de consumo dos países mais desenvolvidos, dos setores mais ricos da sociedade, onde o hábito de jogar fora chega a níveis inauditos de desperdício. Já são superados certos limites máximos de desfrutamento do planeta sem que seja resolvido o problema da pobreza’.

A exploração do planeta chegou a um grau e a pobreza aumentou. É um desenvolvimento, portanto, que não está beneficiando todo mundo. Estamos instruindo a nossa casa e estão vivendo bem os ricos, os pobres cada vez pior. Isso aí naturalmente desagrada muita gente.

[Lê trecho da encíclica novamente] ‘A água potável e limpa representa uma questão de primeira importância, porque é indispensável para vida humana e para sustentar os ecossistemas terrestres e aquáticos. As fontes’. Eu estou lendo: ‘e água doce, que sustentam os setores sanitários, a indústria agropastoril. A história da água é constate porque em muitos lugares a demanda supera a oferta’. E vai por aí afora.

‘A água disponível para os pobres’, ele [o Papa] sempre volta nisso. Ele está sempre preocupado com os pobres. Um problema sério é a qualidade da água disponível para os pobres. Eu estava vendo na Globo hoje os médicos que vão para a Amazônia e um dos principais problemas é uma menina com diarreia. E lá tem muita água, mas as condições…talvez não seja só água, mas disenteria, cólera e vai por aí afora.

[volta a ler a encíclica] ‘Os lençóis aquáticos em muitos lugares estão ameaçados de serem poluídos, que produzem algumas atividades extrativas, sobretudo em países onde faltam uma regulamentação e um controle suficientes. Comecemos apenas nos dejetos das fábricas, os detergentes, produtos químicos que a população utiliza em muitos lugares do mundo, continuam a serem despejados nos rios, lagos e mares.’ Todos os produtos químicos utilizados na agricultura e também nas fábricas. E vai por aí.

A perda de biodiversidade é um outro capítulo. Tanto animal como vegetal. E volta sempre de novo, quer dizer, o grande resultado disso é a atividade econômica, e as atividades macroeconômicas estão nas mãos dos ricos.

Imprensa SMetal: Como que as pastorais e a arquidiocese vão trabalhar a encíclica, levá-la ao povo? Tem alguma ação prevista?

Dom Eduardo: Planejada de imediato não. Uma ação é fazer a divulgação, naturalmente. Nos centros católicos de ensino deverá ser ensinada, nos colégios. Nas paróquias vamos divulgar, fazer estudos, reflexões. É um momento que interessa a toda a sociedade conscientizar, não só os católicos.

Nós sabemos que tem muitas ONGs preocupadas com isso, né? Sabe que o Papa faz uma advertência, não se pode tratar apenas como um modismo. Eu defendo os animais, mas os homens podem morrer. Nós estamos em uma sociedade onde os cachorros muitas vezes tem mais assistência que os pobres, que ficam nas filas do SUS.

Então o Papa renova esse tema. Pessoas que defendem ecologia, mas não são preocupadas se uma criança morre. Se faz aborto também está bem [pra essas pessoas].

Ele fala do crescimento desordenado das cidades, essas periferias urbanas. Os pobres vão para os piores lugares. Nenhum rico vai morar na beira do rio, que tem enchente. Hoje se julga que essas grandes enchentes são efeitos de um aquecimento global, que provoca desequilíbrio. Inclusive do ponto de vista da estação, das chuvas. Então o Papa sempre volta isso, o crescimento das cidades, as emissões tóxicas dos carros, o caos urbanos, os problemas de transporte do ponto de vista da acústica e da visão. Cimento, barulho. [Ele lê a encíclica] ‘Muitas cidades são grandes estruturas ineficientes, que consomem em excesso água e energia’.

Ele [Papa] fala também do risco da privatização da água. Ele diz que isso pode levar a conflitos tremendos. A água é um bem devido a todos, a água boa. De repente você só tem água boa se comprar.

[Leitura da encíclica] ‘Muitas vezes os habitantes do nosso planeta têm que viver cada vez mais submersos pelo cimento, asfalto e o metal, privados de contato físico com a natureza’. Ele diz o seguinte: quem é rico consegue um grande espaço, arboriza e tem um espaço onde ainda pode desfrutar da natureza; e quem é pobre fica amontoado, com casas todas amontoadas embaixo do cimento.

[Volta a ler] ‘A desigualdade na disponibilidade do consumo de energia e serviços. Fragmentação social, aumento da violência, agressividade social, que passa pelo narcotráfico e consumo crescente de drogas, perda de identidade. Esses são alguns sinais que mostram como o crescimento dos últimos dois séculos não significou, em todos os seus aspectos, um verdadeiro progresso integral ou uma melhora na qualidade da vida. Alguns desses sinais são, ao mesmo tempo, sintomas de uma verdadeira degradação social de uma silenciosa ruptura das ligações de integração da comunidade social’.

Depois [o Papa] fala do mundo digital, que nem sempre leva à comunidade, ‘eles são bons mas podem levar ao isolamento’, ele diz isso. E vai insistir que o foco do problema deve ser a dignidade da pessoa e a própria casa que moramos deve ser cuidada por causa das pessoas.

Imprensa SMetal: O foco tem que ser o ser humano e não os bens materiais…

Dom Eduardo: Toda hora ele fala isso. E essa é uma temática que não agrada muito. A posição cristã não é da guerra, é a da consciência e da solidariedade. Uma posição mais agressiva, mais violenta seria a posição que diz que os excluídos se unam e façam uma luta de classes e derrube os poderosos para poder construir uma sociedade justa. Isso nunca deu certo. Porque depois que chega no poder se torna um igualmente, não são os pobres que chegam no poder, chega no poder um grupo que se diz representar os pobres, isso foi na Rússia, na China, para todos lado. Eles se dizem representantes dos pobres, mas os pobres continuam pobres, também lá na Rússia onde houve comunismo. Mas é forte realmente.

[o Papa] fala também que essas grandes reuniões dos poderosos, que falam que vão mudar o mundo, estão longe de pôr em prática o que falam. Hoje [os problemas] são mencionados nos debates político-econômicos internacionais. Mas parece que esses problemas são colocados como apêndices, como uma questão que se agrega de uma maneira periférica, quando não se é considerado um mero problema colateral. Como se ele problema não fosse um problema que está no coração do sistema econômico que existe. Nós temos um sistema econômico que a forma como a economia e a tecnologia funcionam. Esse problema está no coração, é consequência dessa forma. Então é preciso realmente mudar o modelo.

Uma das mudanças de modelo seria, só para citar um ponto que ele frisa, a matriz energética. Precisa ser mudada. Naturalmente, penso que o ideal seja mudar de hoje para amanhã. Se o Petróleo de hoje para amanhã sair de circulação, vai ser um problema social terrível. A maioria dos empregos é tudo ligado a carro, a petróleo. Mas tem que se pensar nisso.

Imprensa SMetal: O Papa Francisco vem sendo visto como muito audacioso e a encíclica é mais um dos feitos dele…

Dom Eduardo: Mas, veja bem, ele cita João XXIII, depois ele cita Paulo VI, que já se referia a esse problema, depois ele cita João Paulo II, que levantou a questão de uma ecologia humana; e que falou veemente antes. E essa carta estava sendo preparada pelo Bento XVI, ele já estava preparando essa carta. E ele [o papa Francisco] chega, naturalmente, chamou a si. Eu tenho a impressão que ele ampliou a participação, por exemplo, ele cita longamente o Patriarca Oriental, que não é da Igreja Católica, é de um grupo separado, Bartolomeu. Palavras muito bonitas de Bartolomeu. Ele cita os bispos da África. Quer dizer que ele procurou ouvir… O Leonardo Boff diz que o Papa pediu a ele alguma contribuição. Boff é um teólogo católico que ficou um pouco fora…

Imprensa SMetal – Da Teologia da Libertação, né?

Dom Eduardo – Mas, não é tanto por isso. Ele também deixou o Ministério de Padre, uma coisa mais complexa. Vamos mudar… Eu quero dizer o seguinte, o Papa recolheu o que há de melhor tanto no ponto de vista científico, como no ponto de vista da reflexão filosófica em torno desse problema.

Agora o que eu gostaria que você frisasse é que, ele vai naturalmente dizer… Ele fala sobre ver ‘a fraqueza das reações’ ao descrever todo esse problema. Eu vou retomar quais são os pontos do ver. Degradação e mudanças climáticas, depois o problema da água, a perda da biodiversidade, depois a deterioração da qualidade da vida humana e a degradação social, a repercussão disso na vida das pessoas, depois a iniquidade na desigualdade planetária.

[O Arcebispo volta a ler a encíclica] ‘O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social’.

Ele fala que a degradação do ambiente vem junto com uma degradação da própria vida social, produzindo desigualdades e sofrimento. Ele sempre fala dos mais pobres. Diz assim: ‘Em vez de resolver os problemas dos pobres e pensar num mundo diferente, alguns limitam-se a propor uma redução da natalidade’. Isso aqui ele fala muito de leve. Ele podia ser mais forte. Há programas da ONU, financiados pela Fundação Rockefeller, com dinheiro, para, primeiro, [fazer a ] a laqueadura das mulheres pobres, para promoção do aborto, para diminuir a natalidade, porque se aumenta muito a população do mundo, os ricos ficam… esses grandes ricos ficam ameaçados.

‘Não faltam pressões internacionais sobre os países em vias de desenvolvimento, que condicionam as ajudas econômicas a determinadas políticas de “saúde reprodutiva”.

Se é verdade que a desigual distribuição da população e dos recursos disponíveis cria obstáculos ao desenvolvimento e ao uso sustentável do ambiente, deve-se reconhecer que o crescimento demográfico é plenamente compatível com um desenvolvimento integral e social. Pode haver um crescimento demográfico. Não precisa ser como coelho, mas pode haver um crescimento. Quem se casa não precisa ter só um filho, mas poderia ter 3, 4. Isso não é incompatível. ‘Culpar o incremento demográfico em vez do consumismo exacerbado e seletivo de alguns é uma forma de não enfrentar os problemas. Pretende-se, assim, legitimar o modelo distributivo atual, no qual uma minoria se julga com o direito de consumir numa proporção que seria impossível generalizar, porque o planeta não poderia sequer conter os resíduos de tal consumo.’

Depois [o Papa diz] diz: ‘Além disso, sabemos que se desperdiça aproximadamente um terço dos alimentos produzidos, e a comida que se desperdiça é como se fosse roubada da mesa do pobre. Em todo o caso, é verdade que devemos prestar atenção ao desequilíbrio na distribuição da população pelo território, tanto a nível nacional como a nível mundial, porque o aumento do consumo levaria a situações regionais complexas’. Ele está dizendo que, também, tem todo o problema da migração.

Isso é interessante porque a gente começa a descobrir, isso agora eu que estou pensando, não sei se ele falou isso, mas descobrir que o nacionalismo: nós somos o nosso país e não entra mais ninguém, a consciência atual diz que nós somos uma humanidade, temos uma mesma casa. Então como é que nós vamos conviver uns com os outros. Os que têm mais recursos podem se organizar fechados, para nem ver os problemas dos mais pobres. Aí falam que é o medo da criminalidade. Mas porque que aumenta a criminalidade? Eles dizem: Vamos diminuir a maioridade penal…

Imprensa SMetal: Tocando nesse assunto, eu participei de uma audiência pública no Centro Arquidiocesano, promovida pela Pastoral do Menor, com o Desembargador Antonio Carlos Malheiros, que é contra. Qual o opinião do senhor sobre a redução da maioridade penal?

Dom Eduardo: Eles [que defendem a redução da maioridade] pensam que vão resolver problema de criminalidade, mas isso é uma bobagem.

Isso tem muito mais haver com um sentimento, que eu entendo. Você imagina, eu não sou pai, mas tenho sobrinhos, imagina que algum menor mate um sobrinho meu covardemente. Isso vai me causar uma revolta e, seu eu não tiver cuidado, eu vou querer que pague. E esse pagar não é porque eu quero justiça, eu quero vingança.

Agora [quero] poder dentro de mim dizer ‘puxa, que coisa horrível que esse moço fez, matou meu sobrinho. Mas como que o mundo pode melhorar?’. Eu conheço um senhor que matou a amante dele à faca por ciúme. Ele ficou 13 anos na cadeia, se converteu, se casou, tem uma filha, adotou uma criança. Hoje ele está com uma casa que acolhe crianças que o juiz diz que não pode ficar com a família.

Hoje ele faz isso por amor. Mas ele se converteu. A pena deve ser colocada, mas o juiz que declara a pena deveria dizer: ‘ele tem que ficar 20 anos , e como eu gostaria e rezo para que, durante esse tempo, ele possa ter todas as condições de repensar a sua vida e, quando voltar, voltar uma pessoa boa’.

Imprensa SMetal: Dar uma oportunidade…

Dom Eduardo: Porque do contrário não melhora, não adianta por na cadeia. De uma forma geral, o sistema prisional não funciona, na sua maioria. Pelo menos é o que eu escuto. Não é um lugar onde as pessoas tenham a oportunidade real de repensar a própria vida, pagando também. Mas pagar, nesse sentido, significa penitenciar-se do mal que ele fez, de uma forma geral.

Agora, dizer que os crimes mais brutais, quando são acometidos por um menor, deve-se diminuir a maioridade penal para ele ir pra cadeia…e que vai diminuir a criminalidade, isso é uma bobagem. Não vai diminuir criminalidade nenhuma. Pra mim isso não tem nenhum sentido. Pra mim é uma cosia boba. Que haja, como o próprio Alckmin propõe, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o menor fica três anos no máximo, então que ele fique oito anos. Mas a Igreja sempre se colocou contra isso.

Tem uma outra coisa, ele aborta uma questão de que o Norte são os povos ricos que estariam mais ao Norte, que transferem suas indústrias para os países pobres para que lá [no país deles] não haja degradação ambiental. Eles transferem a degradação que as suas indústrias produzem para os países pobres.

As exportações de algumas matérias-primas para satisfazer os mercados no Norte industrializado produziram danos locais, como, por exemplo, a contaminação com mercúrio na extração minerária do ouro ou com o dióxido de enxofre na do cobre.

De modo especial, é preciso calcular o espaço ambiental de todo o planeta usado para depositar resíduos gasosos que se foram acumulando ao longo de dois séculos e criaram uma situação que agora afeta todos os países do mundo. O aquecimento causado pelo enorme consumo de alguns países ricos tem repercussões nos lugares mais pobres da terra, especialmente na África, onde o aumento da temperatura, juntamente com a seca, tem efeitos desastrosos no rendimento das cultivações. A isto acrescentam-se os danos causados pela exportação de resíduos sólidos e líquidos tóxicos.

O Papa diz: constatamos frequentemente que as empresas que assim procedem são multinacionais, que fazem aqui o que não lhes é permitido em países desenvolvidos ou do chamado primeiro mundo. Geralmente, quando cessam as suas atividades e se retiram, deixam grandes danos humanos e ambientais, como o desemprego, aldeias sem vida, esgotamento dalgumas reservas naturais, desflorestamento, empobrecimento da agricultura e pecuária local, crateras, colinas devastadas, rios poluídos e qualquer obra social que já não se pode sustentar.
Então, você não pode querer que o pessoal que controla a economia mundial fale ‘olha que lindo o que o Papa Falou’ [batendo palmas]. Eles vão reagir, com certeza, dizendo ‘não é bem assim; cientificamente esse Papa não devia estar entrando nisso; imagina; isso não é um problema do Papa’.

Imprensa SMetal: Ele também fala bastante da questão da pessoa. Eu separei um trecho que ele pede para a pessoa ‘limitar ao máximo o uso dos recursos não renováveis, moderar o consumo, maximizar a eficiência do aproveitamento, reutilizar e reciclar’.

Dom Eduardo: Isso. Ele diz que ninguém pode ficar alheio a esse problema, desde o hábito pessoal. Desde a questão se eu jogo um lixo na rua, desde coisas pequenas. A minha secretária aqui na cozinha não separa o lixo do lixo reciclável. Essa consciência tem que ser cada vez mais desenvolvida. A consciência de lidar com o mundo. O mundo é o seu quarteirão, a sua casa, a sua rua. Os japoneses são mestres nisso. Não digo em macroeconomia, porque eles fazem parte do Norte rico, mas eles são cuidadosos.

Imprensa SMetal: Teria alguma coisa gostaria de acrescentar?

Dom Eduardo: Eu acrescentaria o seguinte. Tem o capítulo II [da encíclica], o Evangelho da Criação. [diz que] o mundo foi dado ao homem para que ele cultivasse, e não o destruísse. Daí surgem vários textos bíblicos. A figura de São Francisco é emblemática, ele usou. São Francisco tinha uma experiência e intimidade com a natureza, um carinho com a natureza.

Aqui ele [o Papa] aborda a Bíblia também, Caim mata Abel. Significa que entrou na história humana essa falta de amor.

O mistério do universo….entrou [na encíclica] um pouco do grande teólogo da década de 60, Teilhard de Chardin, que pensava a evolução. Ele era evolucionista. Deus dirige a evolução. A humanidade que se espalhou em Cristo é chamada a convergir; e a evolução tem um tempo final que não é um nada: é um encontro com Deus, para além da história.

Então ele [Papa] usa isso. ‘A meta do caminho do universo situa-se na plenitude de Deus, que já foi alcançada por Cristo ressuscitado, fulcro da maturação universal’. Isso aqui é de Teilhard de Chardin.

[O Arcebispo lê novamente] “E assim juntamos mais um argumento para rejeitar todo e qualquer domínio despótico e irresponsável do ser humano sobre as outras criaturas. O fim último das restantes criaturas não somos nós. Mas todas avançam, juntamente conosco e através de nós, para a meta comum, que é Deus, numa plenitude transcendente onde Cristo ressuscitado tudo abraça e ilumina. Com efeito, o ser humano, dotado de inteligência e amor e atraído pela plenitude de Cristo, é chamado a reconduzir todas as criaturas ao seu Criador”. Isso aqui é Teilhard.

A mensagem de cada criatura na harmonia de toda a criação. Cada criatura tem o seu lugar. Aí ele cita aqui São Francisco de Assis. “Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas”, um pedaço do Canticodellecreature.

Aqui ele cita os bispos brasileiros. Eu não tinha visto isso. Estou honradíssimo. “Os bispos do Brasil sublinharam que toda a natureza, além de manifestar Deus, é lugar da sua presença. Em cada criatura, habita o seu Espírito vivificante, que nos chama a um relacionamento com ele. A descoberta desta presença estimula em nós o desenvolvimento das virtudes ecológicas. Mas, quando dizemos isto, não esqueçamos que há também uma distância infinita, pois as coisas deste mundo não possuem a plenitude de Deus. Esquecê-lo, aliás, também não faria bem às criaturas, porque não reconheceríamos o seu lugar verdadeiro e próprio, acabando por lhes exigir indevidamente aquilo que, na sua pequenez, não nos podem dar”.

Se nós não pensarmos que tudo vem de Deus, nós vamos querer que todos os seres materiais dos deem aquilo que só Deus pode dar. Aí você destrói. Você destrói uma pessoa, você diz assim: você tem que produzir isso, e a pessoa não é capaz de produzir. Então, se você pôr o sentido da vida na riqueza material, você vai acabar destruindo a própria riqueza material, pois ela não sacia sua vontade.

“Uma comunhão universal” [esse trecho], traz um pouco dessa ideia da humanidade, mais do que nunca, se descobrir como uma única humanidade.

‘A destinação comum dos bens’ [subtítulo]. Isso aqui é um princípio fundamental. Deus não criou o mundo para um grupo. Ele criou para todo o mundo.

‘O olhar de Jesus’ [outro trecho]. Ele mostra como [Jesus] usou a natureza para pregar, inclusive, etc.

O capítulo III traz a ‘raiz humana da crise ecológica’. Aqui ele vai dizer que a crise ecológica não nasce da natureza, ela nasce do ser humano. Aí ele tem uma crítica bastante forte a apostar tudo na tecnologia. Ele não nega o valor da tecnologia, mas a essa espécie de absolutização da técnica e pela técnica.

A tecnologia tem um limite ético. Você não pode, por exemplo, inclusive a Igreja ensina isso, não pode fazer embrião em laboratório para depois implantar. Fazer seis embriões e implantar dois, os outros ficam guardados. A tecnologia é um instrumento e portanto tem que estar submetida ao bem.

[Arcebispo volta a ler] “Não podemos, porém, ignorar que a energia nuclear, a biotecnologia, a informática, o conhecimento do nosso próprio DNA e outras potencialidades que adquirimos, nos dão um poder tremendo. Ou melhor: dão, àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder econômico para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do gênero humano e do mundo inteiro”. Ou seja, quem tem a tecnologia acaba dominando tudo.

[aponta o título de um capítulo da encíclica] “Crises e consequências do antropocentrismo moderno”. O antropocentrismo significa que Deus não existe, eu sou o centro de tudo e o que eu desejo eu faço. [inicia leitura do trecho] “Nos tempos modernos, verificou-se um notável excesso antropocêntrico, que hoje, com outra roupagem, continua a minar toda a referência a algo de comum e qualquer tentativa de reforçar os laços sociais. Por isso, chegou a hora de prestar novamente atenção à realidade com os limites que a mesma impõe”.

[Aponta outros subtítulos] “O relativismo prático”, “A necessidade de defender o trabalho”. Todo mundo tem o direito ao trabalho.”A inovação biológica a partir da pesquisa”. Depois vem o capítulo “Uma ecologia integral”, que vai dizer que a ecologia tem que ser integral, social e humana. Porque pode haver até uma espécie de modismo, de pessoas que têm uma espécie de amor à natureza, mas o amor ao ser humano não aparece como razão de ser estudado.

Mas eu queria reforçar o seguinte [cita mais trechos], “o princípio do bem comum”, “justiça entre as gerações”, algumas linhas de orientação e ação, “diálogo sobre o meio ambiente na política internacional”.

[Dom Eduardo faz outras indicações de leituras da encíclica] “Diálogo e transparência nos processos decisórios”, “Política e economia em diálogo para a plenitude humana”, “As religiões no diálogo com as ciências” e o capítulo VI.

Vale reforçar que tudo isso não terá efeito se não houver uma educação e espiritualidade ecológica. Uma espiritualidade que seja de um outro estilo de vida, um desejo sincero de viver uma relação com a natureza fraterna e com os outros. Conversão ecológica com alegria e paz. Ele [Papa Francisco] gosta de falar muito em alegria, amor civil e político. Amor civil, isso já era uma coisa do Bento XVI que falava porque em algumas teorias, por exemplo, do filósofo chamado Hobbes [Thomas], “O homem é o lobo do homem”.

Então o capitalismo tem esse princípio, na economia um contesta o outro; e dessa competição vem o progresso. Portanto o princípio é de que as pessoas são egoístas e o equilíbrio dos egoísmos é que vai fazer a justiça acontecer. Isso não é verdade! Se o princípio que está presente na organização da sociedade, econômica e política, é o egoísmo o que você vai ter. Os mais inteligentes e os mais sábios se beneficiam de tudo e os outros são esquecidos. Isso é uma conclusão prática.

Então o Bento XVI dizia assim: por que um empresário não pode criar uma empresa e, por amor, trabalhar nessa empresa? Muita gente depende dos empregos dele. [Por que] não fazer uma empresa que esteja a serviço do bem comum, uma empresa humana? E porque toda sociedade não pode se organizar em torno do princípio de procurar o bem?. O que falta muito é o amor civil e político.

O cara entra na política e se acha o bom. Você imagina aquele cara tem que devolver R$ 156 milhões, quanto ele não roubou? Estava em uma empresa pública de Petróleo. Por isso, sem espiritualidade não há como. Entendeu? A Lei não resolve quando não existe amor. A lei é um peso e você quer ficar livre dela. Se existe amor, a pessoa cumpre a Lei porque é uma maneira de estar de acordo com o bem comum.

Não jogue toco de cigarro na rua… se a pessoa tem amor ela vai dizer para ela mesma que não deve sujar a rua. E assim por diante. Fazer dizer [para si]: Não gaste água demais, não jogue plástico dentro do rio.

Então, ele [Papa Francisco] fala isso da espiritualidade, os sinais sacramentais, a necessidade de retomar um pouco a questão de um dia por semana poder pensar, poder agradecer a Deus.

E, por fim, [aponta outro trecho] “A Trindade, Deus e a relação entre as criaturas”. Interessante, porque o Leonardo Boff tem um livro “A Santíssima Trindade: É a Melhor Comunidade”. Modelo para nós.

“A Rainha de tudo criado”. Vou ler esse pedacinho. “No fim, encontrar-nos-emos face a face com a beleza infinita de Deus e poderemos ler, com jubilosa admiração, o mistério do universo, o qual terá parte conosco na plenitude sem fim. Estamos a caminhar para o sábado da eternidade – sábado é o último dia, o dia santo dos Hebreus – para a nova Jerusalém, para a casa comum do Céu. Diz-nos Jesus: Eu renovo todas as coisas. A vida eterna será uma maravilha compartilhada, onde cada criatura, esplendorosamente transformada, ocupará o seu lugar e terá algo para oferecer aos pobres definitivamente libertados. Na expectativa da vida eterna, unimo-nos para tomar a nosso cargo esta casa que nos foi confiada, sabendo que aquilo de bom que há nela será assumido na festa do Céu”

[continua a leitura do trecho] “Juntamente com todas as criaturas, caminhamos nesta terra à procura de Deus, porque, se o mundo tem um princípio e foi criado, procura quem o criou, procura quem lhe deu início, aquele que é o seu Criador. Caminhemos cantando; que as nossas lutas e a nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança. Deus, que nos chama a uma generosa entrega e a oferecer-Lhe tudo, também nos dá as forças e a luz de que necessitamos para prosseguir…”

“…No coração deste mundo, permanece presente o Senhor da vida que tanto nos ama. Não nos abandona, não nos deixa sozinhos, porque Se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor sempre nos leva a encontrar novos caminhos. Que Ele seja louvado!”.

Íntegra da encíclica
http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html

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